O bom funcionamento de equipamentos eletrônicos, principalmente na industria, depende da qualidade da energia elétrica que os alimenta. A preocupação com esta qualidade não está apenas na instalação correta do equipamento, mas também na monitoria da própria energia que pode trazer deformações como, por exemplo, as devidas a alterações de forma de onda, presença de transientes e surtos e até mesmo variações indevidas de tensão.
De que modo os problemas de energia que afetam equipamentos devem ser encarados e como detectá-los é o assunto deste artigo de grande importância para todos que trabalham com instalações elétricas de todos os tipos. Também veremos de que modo podemos medir tensões e correntes numa rede "suja" usando um multímetro de características especiais para esta finalidade que é o True RMS.
ENERGIA LIMPA
A tensão alternada fornecida pela rede de energia elétrica em teoria deve ser senoidal com uma frequência de 60 Hz, conforme mostra a figura 1.
Na prática, por diversos motivos como, por exemplo, a utilização de dispositivos que utilizam fontes chaveadas ou ainda dispositivos semicondutores de comutação de potência muito rápidos como os que fazem uso de triacs e SCRs, a forma de onda das correntes e tensões encontradas numa instalação elétrica pode sofrer alterações deixando de ser perfeitamente senoidal.
Existem diversos tipos de alterações que podem afetar sensivelmente o funcionamento de equipamentos sensíveis alimentados pela mesma rede de energia e até dos próprios causadores dos problemas.
Nas industrias, por exemplo, em que a quantidade de equipamentos alimentados que podem causar deformações é grande a quantidade de equipamentos sensíveis que podem ser afetados por uma energia "não limpa", a preocupação em se "medir" e controlar a qualidade desta energia é importante exigindo uma constante monitoração ou análise quando se constatar qualquer tipo de anormalidade no funcionamento de um equipamento cuja causa possa estar na energia que ele usa.
O multímetro comum não atende às necessidades do profissional que precisa medir energia de uma rede que tenha problemas de alterações nas correntes e tensões. Para que o leitor saiba diferenciar os multímetros que podem detectar quando ocorrem problemas com a energia e como saber de que modo uma energia com má qualidade pode afetar seus equipamentos, preparamos este artigo, de grande importância para todos os profissionais do setor.
HARMÔNICAS
Conforme explicamos uma tensão alternada considerada "pura" ou "limpa" tem uma forma de onda perfeitamente senoidal.
Na prática, entretanto, podem ocorrer deformações de diversos tipos como as mostradas na figura 2.
O matemático inglês Fourier demonstrou que um sinal de qualquer forma de onda pode ser decomposto por sinais senoidais de amplitudes diferentes e frequências que, partindo de um valor fundamental, adquirem valores múltiplos deste. Estas frequências são denominadas harmônicas.
Assim, o sinal que tem o dobro da frequência fundamental é denominado segunda harmônica o que tem o triplo, é chamado terceira harmônica e assim por diante.
Demonstra-se também que o inverso é válido: um sinal de qualquer forma de onda pode ser obtido pela combinação de sinais senoidais de frequências múltiplas e amplitudes diferentes.
Assim, uma tensão alternada que tenha uma deformação como a indicada na figura 3 pode ser analisada como formada por uma tensão na frequência fundamental de maior amplitude (60 Hz) e diversas outras tensões de menor amplitude com frequências múltiplas, denominadas harmônicas.
A distorção de um sinal é medida pela Taxa de Distorção Harmônica ou abreviadamente THD.
A taxa de distorção harmônica é expressa na forma de uma porcentagem (%). A taxa de distorção harmônica total de um sinal ou forma de onda é calculada pela seguinte expressão:
THD(%) =
Onde: THD(%) = distorção harmônica total
V2, V3, V4,....Vn = amplitude da segunda, terceira, etc harmônicas.
Vf = amplitude do sinal fundamental
Dependendo da forma de onda, as harmônicas podem atingir a valores muito altos de frequências causando, por exemplo, interferências em equipamentos de comunicações.
Na tabela I temos as harmônicas e suas intensidades relativas para um sinal que é obtido na saída de um circuito retificador de onda completa. Este sinal consiste numa "onda" cuja forma é mostrada na figura 4.
O processo de cálculo destas intensidades envolve a Transformada de Fourier que permite determinar o "coeficiente" ou intensidade relativa de cada harmônica partindo-se da função que descreve a forma de onda analisada.
Harmônica |
Intensidade Relativa |
Intensidade Porcentual (%) |
Fundamental |
(2/?)U |
63,6 |
2o |
(4/3?)U |
42,3 |
3o
|
0 |
0 |
4o
|
(4/15?)U |
8,5 |
5o
|
0 |
0 |
6o
|
(4/35?)U |
3,6 |
7o
|
0 |
0 |
Um controle de potência, que usa um SCR ou Triac, é um exemplo disso. A comutação rápida destes dispositivos, gerando na carga, uma tensão com a forma de onda como a indicada na figura 5, também é responsável pela produção de harmônicas que se estendem até a faixa de VHF de TV.
Um controle de potência deste tipo causa interferências em televisores que aparecem na forma de pequenos riscos na imagem. O mesmo ocorre com liquidificadores, barbeadores e equipamentos industriais que usem motores com escovas.
PROBLEMAS CAUSADOS
Se um equipamento for alimentado por uma tensão não pura e que tenha uma taxa de distorção harmônica elevada podem ocorrer perdas de energia.
Os transformadores, em especial são componentes sensíveis a este tipo de problema podendo apresentar até mais de 50% de perdas, se forem alimentados com uma tensão muito distorcida.
As cargas que sejam alimentadas por tensão distorcida podem ainda ter um fator de potência muito pobre sobrecarregando o sistema.
Os controles de potência com triacs são exemplos destes dispositivos que podem ter seu desempenho melhorado com o uso de choques que "suavizam" a forma de onda da energia consumida diminuindo assim a THD.
Outro problema a ser considerado é que as harmônicas da corrente podem também distorcer a forma de onda da tensão e com isso isto causar harmônicas de tensão. Distorções da tensão podem afetar motores elétricos e bancos de capacitores.
Nos motores elétricos, por exemplo, a sequência negativa de harmônicas (5o, 11o , 17o , etc) assim chamada porque sua sequência (ABC ou ACB) é oposta a sequência fundamental produz campos magnéticos rotativos. Estes campos "rodam" na direção oposta ao campo magnético fundamental e podem causar não somente um sobreaquecimento do motor como até oscilações mecânicas no sistema motor-carga.
No caso dos bancos de capacitores, o que ocorre é que a reatância de um banco de capacitores diminui com o aumento da frequência fazendo com que o banco drene energia através justamente das harmônicas de maior frequência. Este aumento de energia drenada pelos capacitores pode causar perdas e sobrecargas do dielétrico capazes de até levar os capacitores a uma falha.
No caso de equipamentos que operam com apenas uma fase tais como computadores pessoais, reatores e outros, os problemas também existem.
Para estes equipamentos são especialmente danosos os harmônicos ímpares como o 3º, 5º, 7º etc.
Temos também a ação danosa dos harmônicos denominados triplos que são o 3º, 9º e 15º. Estes harmônicos estão em fase, o que quer dizer que a primeira fase (A) triplica as harmônicas, a (B) triplica novamente e a (C) faz uma multiplicação final de modo que todos os três retornam em fase pelo condutor de neutro num sistema de 3 fases com 4 condutores. O resultado disso é uma sobrecarga do condutor de neutro que pode significar problemas se ele não estiver devidamente dimensionado para suportar esta corrente adicional.
O mesmo problema pode ocorrer com transformadores com enrolamento em delta onde as harmônicas são refletidas para o primário causando sobreaquecimento semelhante ao que ocorre quando temos uma corrente trifásica não balanceada.
Uma maneira importante de verificar se existem correntes harmônicas numa instalação é medindo-a no condutor neutro da instalação trifásica num sistema de 4 fios.
No entanto, uma elevada distorção harmônica da forma de onda da tensão disponível na rede de energia só traz problemas se o sistema não tiver sido projetado para manuseá-la.
Em geral THDs de até 8% não consistem problemas para equipamentos mesmos os mais sensíveis.
Um condutor de neutro, como qualquer condutor apresenta uma impedância que, no valor fundamental da tensão da rede não é significativa, mas esta impedância pode assumir valores significativos, significando produção de calor e perda de energia em frequências mais altas como a de harmônicas mais elevadas.
É preciso ficar atento ao fornecimento de energia limpa para os equipamentos de uma instalação, principalmente em que existem equipamentos sensíveis sendo alimentados.
FATOR DE CRISTA
Denominamos fator de crista de qualquer forma de onda a relação entre o valor de pico e o valor RMS (Root Mean Square ou Valor Médio Quadrático).
Para uma forma de onda perfeitamente senoidal, o fator de crista, conforme mostra a figura 6 é 1,4142 (raiz quadrada de 2).
No entanto, é fácil perceber que se tivermos uma forma de onda com picos de maior intensidade e curta duração como o mostrado na figura 7, o fator de crista será maior e com sinais mais "achatados" o fator de crista será menor.
MEDINDO TENSÕES ALTERNADAS DISTORCIDAS
As escalas de correntes e tensões alternadas de instrumentos simples como multímetros são calibradas de tal forma a dar uma indicação de valor RMS em média, apenas quando se trata de um sinal senoidal de 60 Hz.
Este valor corresponde a 63,7% do valor de pico e leva em conta que o sinal senoidal (corrente ou tensão) medido não tem qualquer distorção.
No entanto, se a tensão medida ou corrente tiver uma distorção com deformações que representem a presença de harmônicas, os multímetros comuns não conseguem responder as frequências mais altas não indicando sua presença. O resultado líquido desta distorção é que o instrumento passa a indicar um valor que não corresponde ao RMS (Root Mean Square real ou "True").
Em outras palavras, a partir do momento em que se mede uma tensão ou corrente alternada em uma instalação em que existem deformações da forma de onda, não podemos garantir mais uma precisão de leitura e isso é mais frequente do que se pode imaginar. O valor indicado pelo instrumento não leva nem em conta a presença de harmônicas nem ao mesmo a presença de "cristas".
Para medir a tensão ou a corrente em instalações que alimentem cargas que possam deformar a corrente ou ainda numa rede que tenha tais problemas devem ser utilizados instrumentos com características especiais capazes de trabalhar também com correntes não senoidais.
Existem basicamente duas formas de se medir os valores reais ou "true" RMS de tensões e correntes senoidais numa instalação elétrica.
a) Osciloscópio digital
O osciloscópio digital permite registrar a forma de onda do sinal fundamental e também verificar as distorções e a amplitude de cada harmônica. (Veja nossa série de artigos sobre o uso do osciloscópio)
b) Multímetro True RMS ou alicate amperométrico True RMS
Uma maneira mais simples de se medir uma tensão RMS levando em conta sua forma de onda real e não apenas para as senoidais é com um multímetro True-RMS.
Estes instrumentos têm na sua folha de especificação a informação de que podem realizar este tipo de medida, diferentemente dos multímetros comuns que, conforme vemos respondem apenas ao sinal senoidal quando então dão uma indicação precisa.
Com o alicate amperométrico pode-se medir a corrente num cabo verificando se existem harmônicas ou distorção, sem a necessidade de se interromper a instalação para a instalação do instrumento.