Torne audíveis vibrações e ruídos da faixa ultrassônica, acima dos 15 000Hz, explorando um universo inédito que só é acessível à animais como o cão, o morcego e o golfinho. Produza ruídos estranhos para efeitos especiais com o simples mexer de pequenos objetos, numa conversão que os traz para o espectro audível. O conversor ultrassônico que descrevemos neste artigo transforma vibrações na faixa de 15 000 a 40 000Hz em sons audíveis, na faixa de 1500 a 4000Hz, para aplicação num fone ou amplificador. Alimentado por 4 pilhas comuns ele é extremamente sensível e portátil.

Nota: este artigo foi publicado na revista Eletrônica Total 7 de 1989.

Nossos ouvidos não alcançam a faixa de vibrações que está acima dos 15 000Hz, mas sabemos que existe um universo de sons e ruídos que se estende para bem além deste valor. Muitos animais como os morcegos, os cães e os golfinhos, podem tanto ouvir como emitir sons nessa faixa, usando-a inclusive como meio de orientação e comunicação. Também existem muitos fenômenos naturais que produzem vibrações nessa faixa, mas que não podemos ouvir.

Pensando na possibilidade de explorar este espectro inaudível, criamos um interessante aparelho; um conversor que, a partir de ultrassons captados por um microfone especial, gera sons de características equivalentes, mas numa frequência mais baixa, que nos possibilita sua escuta num fone ou mesmo num amplificador.

O que este conversor faz é simplesmente dividir por 10 a frequência do som captado, de modo a fazê-la cair dentro da faixa em que nosso ouvido pode perceber. Quais as possíveis aplicações para um aparelho deste, levando em conta suas características de- sensibilidade e uso portátil?

A primeira possibilidade interessante seria para o naturalista, que poderia sair à campo estudando ruídos de animais que não podem ser captados por um simples microfone ou ouvido diretamente. Estes ruídos poderiam revelar sistemas de comunicação animal talvez ainda não pesquisados por ninguém.

Uma segunda possibilidade está na sua utilização como estetoscópio, revelando ruídos de mecanismos delicados que não podem ser percebidos pelo ouvido. Depois de montar seu conversor, aproxime-o de seu televisor ou de um relógio mecânico. No televisor você vai ouvir o ruído do flyback claramente, e no relógio barulhos que você nem suspeitava poderem ser produzidos.

Finalmente temos a própria curiosidade, que nos permite explorar um mundo diferente. Ruídos de jatos, passos de uma pessoa, quedas de pequenos objetos passam a soar de maneira completamente diferente, numa transformação de espectro que nos permite imaginar como se sentiria um ser extraterrestre que viesse à Terra e possuísse um ouvido 3 oitavas abaixo do nosso.

 

CARACTERÍSTICAS

— Tensão de alimentação: 6V (4 pilhas)

— Faixa de sensibilidade: 15 000 a 25 000Hz (Mic 1) 15 000 a 40 000Hz (Mic 2)

Corrente de consumo: 20mA Impedância de saída: 8 a 500 ohms

 

COMO FUNCIONA

Existem três técnicas básicas de se converter ultrassons em sons, algumas já utilizadas em projetos comerciais, mas todas apresentando vantagens e desvantagens.

A primeira consiste em se utilizar um gravador comum e fazer a gravação com a fita acelerada, digamos 3 vezes. Quando reproduzirmos esta fita em velocidade normal, as frequências dos sons gravados ficarão divididas por 3 e poderemos com isso ouvir os ultrassons até 45 000Hz, pois eles passarão a ter 15 000Hz que é o limite teórico de nossa audição (fig. 1).

 


 

 

 

A desvantagem deste processo está no fato de que não poderemos saber se captamos ou não alguma coisa durante um trabalho de pesquisa, até que a fita seja passada, ou seja, não temos uma monitoria do trabalho.

O segundo processo consiste num conversor por oscilador de batimento, conforme estrutura mostrada na figura 2.

 


 

 

 

O oscilador fixo produz um sinal de 45kHz, que é misturado ao sinal ultrassônico captado pelo microfone e amplificado. O resultado é a produção de dois sinais de batimento que correspondem à soma e à diferença das frequências. A soma ainda cai no espectro inaudível, mas a diferença cai no espectro audível.

Assim, se o sinal captado for de 35kHz, a diferença será um sinal de 45 - 35 = 10 kHz, que cai dentro do espectro audível e que, portanto, pode resultar em som, se aplicado a um fone. Para um oscilador em .45kHz podemos então tornar audíveis os ultrassons de 30 a 45kHz.

A desvantagem deste sistema é que ele deforma o espectro captado de modo muito acentuado. Assim, se no som original 40kHz representa apenas pouco mais de 2 tons acima -de 30kHz, depois de feita a conversão, teremos 15kHz e 5kHz que representam 3 oitavas de diferença ou 21 tons!

Finalmente temos o modo da divisão direta da frequência, que é o adotado em nosso projeto. O que fazemos é amplificar o sinal, torná-lo retangular e aplicá-lo a um divisor por 10 de frequência, para posterior aplicação num fone de ouvido. No nosso circuito conseguimos isso da seguinte maneira: em primeiro lugar devemos nos preocupar com o transdutor que deve ser capaz de captar ultrassons com boa sensibilidade.

Existem diversos dispositivos que podem ser experimentados e que alcançam esta faixa. Fizemos experiências com um tweeter piezoelétrico da Le-son, que pode alcançar entre 24 e 25kHz (isso estende de 15 a 24 ou 25kHz a faixa audível). Um microfone de eletreto comum nos permitiu alcançar 28kHz. Fones cerâmicos ou de cristal podem alcançar até 45kHz e os transdutores usados em estetoscópios ultrassônicos também.

Pela facilidade de obtenção, sugerimos que a montagem seja feita ou com o tweeter piezoelétrico ou com o microfone de eletreto.

O sinal do microfone ou transdutor é levado inicialmente a uma etapa amplificadora de alto ganho, com dois transistores (Q1 e Q2), que apresenta uma alta impedância de entrada e faixa passante da ordem de 100kHz, o que é muito importante para esta aplicação. O ganho desta etapa permite que tenhamos perto de 100mW de saída no coletor de Q2, o que necessitamos para excitar o Disparador formado pelos transistores Q4 e Q5, tendo por driver Q3.

Este disparador tem por função modificar a forma de onda do sinal para sua aplicação no divisor CMOS (figura 3).

 


 

 

 

Observe que temos neste caso uma deformação do sinal, que deve ser parcialmente recuperada na saída, mas este fato não chega a influenciar na qualidade final do áudio, pois a variação de frequência é mantida, de modo que ainda temos uma boa riqueza de variações tonais que produzem um efeito interessante na audição.

O sinal obtido na saída do disparador (coletor de Q5) é aplicado a um 4017, que faz a divisão da frequência por 10. Qualquer das saídas do 4017 pode ser usada para retirada do sinal dividido, que é retangular. Utilizamos duas saídas: uma delas pode acionar um led, ou um VU, que tem por função monitorar o funcionamento do aparelho. No caso do VU teremos uma movimentação da agulha com as variações do som captado, indicando o funcionamento e, no caso do led, este elemento vai piscar sempre que algum som for captado pelo sensor.

A outra saída é levada a um transistor driver PNP que aplica o sinal a um fone de ouvido com boa potência. Na base deste transistor temos um capacitor (C7) que tem por finalidade “recuperar" um pouco da forma de onda original, arredondando os contornos do sinal retangular. O valor deste capacitor dependerá do ouvido de cada pessoa, podendo ficar tipicamente entre 10 e 100nF. Com valores maiores o som fica mais grave e mais suave, enquanto que com valores menores ele se torna mais estridente.

O consumo de corrente da fonte de alimentação (4 pilhas) é de apenas 20mA, o que lhe garante uma ótima autonomia.

 

MONTAGEM

Começamos por dar o diagrama completo do aparelho na figura 4.

 


 

 

 

A placa de circuito impresso é mostrada na figura 5.

 


 

 

 

Os resistores são todos de 1/8 ou 1/4W, e os capacitores tanto podem ser cerâmicos como de poliéster para os valores menores que 1 µF. Para os valores maiores são usados eletrolíticos de 6V ou mais.

Os transistores NPN são do tipo BC548 ou equivalentes como o BC238, BC549 etc. Para o PNP (Q6) pode ser usado o BC558 ou equivalentes como o BC557, BC307 etc.

O resistor R20 limita a corrente no fone, devendo ser usado no caso de fones com menos de 100 ohms de impedância. Para fones de maior impedância, constatado baixo volume, pode haver sua redução.

Para o transdutor, conforme vimos, temos duas possibilidades: se usarmos um microfone de eletreto devemos manter C1 no circuito (seu valor baixo faz com que automaticamente sejam cortados os sons da faixa audível, ou seja, reduzida a sensibilidade aos mesmos) e ligá-lo entre A e B, observando a polaridade.

Se usarmos um tweeter (TD), ou qualquer outro transdutor, ou microfone cerâmico ou de cristal devemos ligá-lo entre C é D, retirando do circuito o capacitor Cl e não necessitando mais de R1.

Observamos neste ponto que não utilizamos filtros para eliminação dos sons audíveis, pois a própria resposta do circuito e a geometria dos sensores faz uma boa eliminação destes. É claro que, se você desejar este tipo de aperfeiçoamento no projeto, pode então intercalá-lo entre Q2 e a base de Q3.

Para o tweeter piezoelétrico da Le-son devemos fazer uma modificação, para que ele funcione como microfone ultrassônico. Precisamos abrir sua parte posterior e retirar o pequeno transformador do seu interior, ou simplesmente desligá-lo, fazendo a conexão direta ao transdutor piezoelétrico.

As curvas mostradas na figura 6 indicam a sensibilidade que obtivemos com um microfone de eletreto e o tweeter em questão.

 


 

 

 

Para ligação do fone deve ser usado um jaque apropriado e para as pilhas um suporte. Todo o conjunto cabe numa caixa Patola que eventualmente poderá ser fixada num tripé do tipo usado em máquinas fotográficas. Pará maior diretividade do sistema o microfone pode ser instalado num refletor. Para o caso do tweeter, sua pequena corneta elimina essa necessidade.

O integrado deve ser instalado em soquete e o VU-meter comum de 200 µA tem a ligação conforme mostra a figura 7.

 


 

 

 

PROVA E USO

Para facilitar, damos no próprio diagrama as tensões contínuas que foram encontradas no protótipo na ausência de sinal de entrada (sem som). Essas tensões foram medidas corda ajuda de um multímetro ICEL de 10 000 ohms por volta na escala de 0-5V. Pequenas variações são admitidas em função da tolerância dos componentes.

Terminada a montagem basta ligar um fone à saída (fone de baixa impedância, tipo walkman) e acionar S1.

Estale os dedos ou então mexa em uns componentes diante do microfone, para produzir ruídos. Você ouvirá claramente esses ruídos, mas de forma diferente, pois sua frequência estará dividida e haverá novas componentes ultrassônicas.

Aproximando o aparelho de sua TV ligada você deverá ouvir o apito do flyback (15 750kHz), pouco acima do limite audível. Nesta edição apresentamos ainda um potente emissor ultrassônico, que alcança além de 25 000Hz, e que permite verificar a sensibilidade deste aparelho.

Se você tiver um frequencímetro e um gerador de áudio teste-os, conforme mostra a fig. 8.

 


 

 

 

Aplicando o sinal num tweeter, diante do microfone, você deve ler a frequência dividida por 10 no frequencímetro. Aplicando o sinal diretamente em C1, você terá a possibilidade de verificar a resposta do circuito, em função de eventuais transdutores que você queira experimentar. Esta resposta se estende para além dos 70kHz. Com a aplicação deste sinal deve haver a reprodução clara de som nos fones.

Comprovado o funcionamento é só sair em busca de novos sons, num universo ainda inexplorado por nós humanos.

 


 

 

 

 

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