Um novo conceito na produção de energia
Energia fácil e barata sem poluição tanto para movimentar veículos como para produzir eletricidade de uso comercial e residencial. Este é o novo conceito que começa a ser explorado em algumas aplicações práticas e deve estar disponível em maior escala já no início do próximo século ao consumidor comum graças a tecnologia da célula à combustível. Gerando energia elétrica diretamente a partir da combustão de gases como o gás comum, hidrogênio e outros, este sistema gera energia limpa com alto rendimento. Veja neste artigo de que modo funcionam as células à combustível e o que elas prometem para o futuro.
Este artigo é de 1997. Em outro artigo mais recente (ART754) temos uma outra abordagem para o mesmo tema.
Um dos problemas da produção de eletricidade a partir de fontes disponíveis atualmente como a dos rios, atômica e solar é que os processos usados só têm bom rendimento na produção de energia em grande escala. Assim, nossas fontes de energia são centralizadas exigindo grandes redes de distribuição que, além de custarem caro representam um ponto crítico no sistema, pois apresentam perdas consideráveis.
A possibilidade de se gerar energia elétrica em pequena escala a um baixo custo, usando processos que não sejam poluentes, é procurada há muito tempo.
Pequenos geradores alimentados a gás poderiam alimentar residências e movimentar veículos com um rendimento muito maior, sem poluição e eliminariam a necessidade de uma ampla rede de distribuição de energia.
Na verdade, nos locais em que existem redes de distribuição de gás encanado, já se pensa em utilizar esta forma de combustível para gerar eletricidade a partir do próximo ano, como, por exemplo, na Califórnia.
Outra possibilidade importante é a movimentação de veículos. Usando o hidrogênio como combustível é possível obter energia em grande quantidade e barata e mais do que isso: o produto da queima do hidrogênio é a água que não polui de forma alguma!
Mas, para gerar energia elétrica diretamente a partir da queima de um combustível não é tão simples, e a tecnologia exigida só agora toma um grande impulso.
Para gerar eletricidade a partir da queima de combustível são usados dispositivos denominados "células à combustível" e é delas que falaremos mais intensamente a partir de agora.
O QUE SÃO AS CÉLULAS À COMBUSTÍVEL
Para gerar eletricidade a partir da queima de um combustível o processo tradicional utiliza uma série de dispositivos intermediários que reduzem o seu rendimento, encarecem sua elaboração e tornam seu tamanho proibitivo para a maioria das aplicações, principalmente as que envolvem a produção de pequenas quantidades de energia.
Assim, conforme mostra a figura 1, o que se faz tradicionalmente é queimar um combustível para movimentar um motor e este motor acionar um dínamo ou alternador.
A cada transformação de energia ocorre uma perda, e além disso os combustíveis usados atualmente para se movimentar os motores são altamente poluentes como o óleo diesel, gasolina, ou mesmo a queima de carvão ou lenha.
Será que não existe algum meio de se obter eletricidade a partir da queima de um combustível num processo único sem dispositivos intermediários?
A descoberta da célula à combustível não é recente. Em 1839 Sir William Robert Grove descobriu que a dissociação de vapor de água em hidrogênio e oxigênio podia ser obtida num eletrodo de platina aquecido.
Novos materiais e novas técnicas desenvolvidos principalmente a partir da subida da Gemini IV (que tinha um sistema de células a combustível capaz de gerar 12 kW de energia elétrica), estão levando a possibilidade de se gerar eletricidade diretamente a partir de um processo químico em que entrem gases comuns.
COMO FUNCIONAM AS CÉLULAS À COMBUSTÍVEL
Se bem que o conhecimento do princípio funcionamento da célula à combustível seja bastante antigo, o entendimento de como ela realmente funciona é relativamente recente.
Enquanto uma bateria comum leva o seu combustível e o comburente em seu interior de uma maneira que não podem ser substituído, mas eventualmente apenas recompostos pelo processos de recarga, uma célula à combustível é diferente, conforme podemos ver pela figura 2.
Na célula à combustível, o combustível (um gás, como o hidrogênio) e o comburente (o oxigênio) são "bombeados" para o seu interior e na combinação de ambos em eletrodos especiais resulta em eletricidade que pode ser usada para alimentar um circuito externo.
As vantagens deste sistema são inúmeras mas a principal está na possibilidade do fornecimento de energia de forma constante e ilimitada.
O que ocorre é que a capacidade de armazenamento de energia das baterias comuns é pequena, exigindo-se para o caso dos veículos baterias muito grandes, pesadas e caras para se obter uma autonomia apenas razoável. Na célula à combustível, o elemento que converte energia é pequeno, e a energia é armazenada externamente na forma do combustível usado podendo ser fornecida continuamente.
As células a combustível são classificadas por muitos como "dispositivos de estado sólido" que convertem energia química em energia elétrica sem a necessidade de dispositivos mecânicos.
No tipo básico, existem eletrodos porosos à base de platina (que funciona como catalisador da reação) para onde é bombeado o hidrogênio, conforme mostra a estrutura da figura 3.
Ocorre, entretanto que os poros do eletrodo poroso, normalmente uma membrana de um polímero são menores que os átomos de hidrogênio que então não conseguem passar na forma normal. Forçados a perder um elétron, os átomos se convertem em íons carregados positivamente que, pela ação do catalisador passagem e se combinam com o oxigênio, liberando energia e formando água e ao mesmo tempo dotando o catodo de uma carga positiva. Do outro lado permanece o elétron que assim "carrega" o anodo negativamente.
Neste processo, a presença de cargas de polaridades diferentes no anodo e no catodo tornam disponíveis energia elétrica para um circuito externo. A diferença de potencial obtida por célula deste tipo é da ordem de 1,23 volt sem carga caindo para 0,6 V com carga.
Este tipo de célula é denominado SPFC ou PEM (Proton Exchange Membrane ou Membrana de Troca de Prótons).
Mas, a principal vantagem deste tipo de célula está no seu elevado rendimento que pode chegar aos 60% o que é muito mais do que o rendimento obtido por um motor a combustão típico que não passa de 25% e, além disso, o fato de que o produto da combustão é vapor d'água!
Alguns cuidados devem ser tomados com o hidrogênio usado como combustível que é a remoção do enxofre e do monóxido de carbono que é capaz de "envenenar" o catalisador de platina afetando o funcionamento da célula.
Diversas são as empresas que trabalham hoje no desenvolvimento de células do tipo PEM. Dentre elas podemos destacar a ECN na Holanda, a Sere De Nora na Itália, e a Siemens e a Dornier na Alemanha além da Rolls Royce e VESL. No Canadá destacamos a Ballard Power System e nos Estados Unidos a Energy Partners.
Na figura 4 temos a célula da Ballard que utiliza uma membrana de polímero de flúor-carbono e apenas 0,05 a 0,18 mm de espessura.
Esta empresa possui em sua linha de produtos células de 5 kW de potência, fornecendo correntes de 240 A sob tensão de 20 V quando alimentadas por hidrogênio sob pressão de 30 psi (o que equivale a aproximadamente 2 atmosferas). Esta célula pesa apenas 45 kg.
Um ônibus que é movimentado com esta célula já se encontra em produção pela Mercedes-Benz e dele falaremos mais adiante ainda neste artigo.
OUTROS TIPOS DE CÉLULAS
a) MCFC (Molten Carbonate Fuel Cell)
Um outro tipo de célula à combustível é a que usa carbonato fundido como combustível sendo denominada MCFC (Molten Carbonate Fuel Cell) e que tem a estrutura básica mostrada na figura 5.
Nesta célula temos um eletrodo que é aquecido a uma temperatura de aproximadamente 650 graus centígrados. Nesta temperatura o sal usado como eletrólito funde-se e se torna condutor de corrente elétrica, permitindo que íons de carbonato migrem para o anodo. Neste trajeto os íons encontram-se com o hidrogênio ocorrendo então uma reação química. Nesta reação forma-se água e dióxido de carbono (CO2).
Ao mesmo tempo, os íons de carbonato e o oxigênio reagem para recolocar em circulação os íons de carbonato que migraram para o anodo.
Veja que nesta reação o dióxido de carbono funciona apenas como um suporte na cadeia de interações iônicas.
Uma das dificuldades que os projetistas destas células encontram está na degeneração do eletrodo de óxido de níquel (catodo) que, em contato com o eletrólito alcalino logo se estraga.
Este tipo de célula tem uma eficiência na faixa dos 50 aos 60%, gera mais calor que o tipo PEM, e está sendo estudada com especial atenção por algumas empresas japonesas como a Hitachi, Toshiba e Mitsubishi.
Nos Estados Unidos um consórcio de empresas liderada pela M-C Power realiza estudos com este tipo de célula pensando em torná-la comercial brevemente.
A vantagem deste tipo de célula está na possibilidade de funcionar com gás natural, metanol, propano, etanol em mistura com o hidrogênio o que amplia sua gama de aplicações práticas.
b) SOFC (Solid Oxide Fuel Cell)
Este tipo de célula, ainda em fase de desenvolvimento tem uma eficiência na faixa de 50 a 60%.
Nesta célula o combustível, que pode ser gás natural ou outro tipo de gás combustível, é bombeado para um anodo juntamente com vapor de água. Ocorre então uma reação química em que monóxido de carbono e hidrogênio são produzidos .
Na temperatura elevada em que o processo ocorre, íons de oxigênio são produzidos e levados pelo eletrólito formando assim uma corrente elétrica que se dirige ao anodo. Os íons que chegam ao anodo podem então entregar seus elétrons formando assim água e devolvendo ao anodo os elétrons para fechar o percurso da corrente.
A Whestinghouse, nos Estados Unidos, é a principal empresa que trabalha no desenvolvimento deste tipo de célula.
c) PAFC (Phosphoric Acid Fuel Cell)
Este tipo de célula se caracteriza pela altíssima densidade de energia que pode fornecer, mais de 200 mA por centímetro quadrado, sob tensão de 0,66 volts, com um rendimento na faixa de 40 a 45 %. Muitas células são "empilhadas" de modo a se obter maior tensão e assim poder alimentar um circuito externo.
A desvantagem está na necessidade de hidrogênio como combustível num grau de pureza elevado, pois não pode conter substâncias como o monóxido de carbono ou enxofre que podem afetar o catalisador de platina.
APLICAÇÕES DIFERENTES
No futuro prevê-se que a utilização das células à combustível não se limite à propulsão. Geradores pequenos, de baixo custo, podem ser instalados em residências que então não precisão mais dispor de energia vinda por meio de fios e uma usina distante. A eletricidade para o consumo local seria gerada quer seja por gás engarrafado quer seja por gás encanado, que já está disponível numa grande quantidade de locais.
Assim, existe um plano interessante que deve ter início já no próximo ano, que consiste em se dotar residências de uma cidade escolhida da Califórnia com pequenos geradores à base de células a combustível que utilizariam gás encanado.
Com um bom rendimento, usando uma forma de energia que ainda não é tão escassa como a hidroelétrica, estes pequenos geradores poderiam resolver um grave problema de sobrecarga dos sistemas de fornecimento convencionais que já ameaçam alguma regiões dos Estados Unidos.
Os leitores que ainda não têm noção do grave problema que de geração e distribuição de energia que ronda algumas regiões dos Estados Unidos, especificamente a Califórnia devem ler o romance "Colapso" de Arthur Hailey (Rio Gráfica Editora).
Os recentes "blackouts" de São Paulo também mostram que aqui mesmo em nosso país, também estamos nos aproximando de um ponto crítico na geração e fornecimento de energia que talvez tenham como solução a nova tecnologia da célula à combustível.
UMA IDÉIA PARA O FUTURO
Talvez, no próximo século, a energia elétrica de que disporemos em nossa casa seja obtida de uma completamente diferente de hoje.
Em lugar de usinas centralizadas que gerem grande quantidade de energia elétrica a partir da energia hidroelétrica, atômica, marés, ou outra tenhamos algo diferente.
As grandes usinas farão a eletrólise da água gerando grandes quantidades de hidrogênio que seriam engarrafados ou canalizados, servindo como combustível limpo para células de todos os tipos que gerarão toda a eletricidade que precisamos, conforme mostra a figura 6.
NEBUS - O ÔNIBUS DA MERCEDEZ QUE ESTARÁ EM CIRCULAÇÃO NO BRASIL
Nestas últimas semanas notícias de que a prefeitura de São Paulo, para minimizar os problemas de poluição, estaria interessada em ônibus à hidrogênio" apareceu em alguns órgãos da imprensa.
Pois bem, trata-se do NEBUS, o ônibus que utiliza células à combustível e é fabricado pela Mercedes-Benz da Alemanha.
Com mais de 200 protótipos já funcionando em diversas cidades do mundo, este tipo de ônibus utiliza células à combustível do tipo PEM desenvolvidas pela Ballard, de que já falamos anteriormente.
O ônibus básico NEBUS modelo O 405 consiste num veículo urbano de 12 metros de comprimento, 2,5 metros de largura e 3,5 m de altura com 34 lugares para passageiros sentados e mais 24 em pé.
Sob o compartimento de passageiros se encontra a instalação de combustível, propulsão (motor) e a célula à combustível fabricada pela Ballard Power Systems que forma com a Daimler-Benz um consórcio com 25% de participação.
O motor trabalha com um conversor que consiste num pulso transformador ZF cuja finalidade é fornecer ao motor energia elétrica numa forma diferente da contínua gerada pela célula, o que permite também maior controle.
Um sistema de bombas leva à célula o combustível armazenado que consiste em 45 000 litros de hidrogênio, o que dá ao ônibus uma autonomia de 250 km.
A célula a combustível é formada por 10 baterias de 25 kW cada uma o que gera uma potência final de 250 kW. Subtraindo-se a potência necessária ao próprio funcionamento da célula, que se converte em calor, para alimentação do sistema elétrico e de ar condicionado sobra para a propulsão aproximadamente 190 kW que corresponde a uma potência de 260 CV.
É interessante observar que o tamanho da célula usada equivale ao de um motor a explosão comum, o que possibilita sua instalação no mesmo local.
O resultado da combustão do hidrogênio usado é o vapor d'água que é expelido a uma temperatura de aproximadamente 55 graus centígrados.
Nos circuitos elétricos do NEBUS encontramos três tensões: 600 volts para acionamento do motor e dos eixos ZF integrados aos cubos das rodas; 380 volts para a bomba de servo-direção e o compressor de ar e 24 volts para o sistema elétrico de bordo.
No modelo original temos um outro detalhe "ecológico" a ser considerado, que são as clarabóias de ventilação soldar, que tem por finalidade gerar a corrente elétrica para o funcionamento dos condutores de ar condicionado e ventilação. Isso significa que a ventilação se mantém em funcionamento mesmo que a célula à combustível esteja "desligada".
Uma alternativa para o futuro, que está sendo estudada pela Mercedes-Benz consiste no uso de células que funcionem com metanol.