De que modo os aviões conseguem encontrar a pista de um aeroporto sem ter praticamente nenhuma visibilidade? Certamente muitos leitores já ouviram falar do ILS (Sistema de Aterrissagem por Instrumentos – instrument Landing System), que é usado nos principais aeroportos do mundo mas não tem a mínima ideia de como funciona. Como funciona o ILS é justamente o assunto deste nosso artigo, indicado aos estudantes e mesmo técnicos que gostam do assunto. Sem entrar em pormenores dos circuitos, explicaremos de uma forma geral, como o sistema pode guiar os aviões para uma aterrissagem segura nas piores condições de visibilidade.

 

NOTA DO ARTIGO

O artigo é de 1989. Hoje existem novas tecnologias usadas na obtenção do processamento dos sinais, com o uso maior da eletrônica digital principalmente nos displays, mas o princípio de funcionamento se mantém.

 

O ILS (Instrument Landing System) é um sistema desenvolvido durante a segunda guerra mundial pelos técnicos da RAF (Força Aérea Britânica) com a finalidade de permitir a operação dos aviões, mesmo em condições de ausência total de visibilidade.

A finalidade básica do sistema era dar informações ao piloto que lhe permitiam levar a aeronave até o extremo da pista, onde então ele poderia tomar a decisão de completar ou não a aterrissagem.

As bases do sistema desenvolvido naquela época são as mesmas do sistema atual, no entanto, muitos aperfeiçoamentos técnicos foram introduzidos de modo a se obter maior confiabilidade e precisão.

Praticamente todos os aviões comerciais modernos são equipados com o sistema e as pistas dos principais aeroportos do mundo possuem os equipamentos necessários à sua operação.

A ideia básica do sistema consiste em se emitir sinais de rádio a partir de transmissores junto à pista e em locais escolhidos de modo a determinar sua localização mais fácil, e que possam ser captados pelo avião dando-lhe uma indicação exata do caminho que deve seguir.

Como isso é feito é o que veremos a seguir:

 

O EQUIPAMENTO

Em terra são colocados dois transmissores em posições estratégicas em relação à pista. Um dos transmissores é denominado "transmissor do localizador"(localizer) e fornece um sinal guia de aproximação em azimute ao longo da linha central da pista.

O outro transmissor fornece um sinal de trajeto de descida. Os dois transmissores estão ligados à antenas direcionais de tal modo a fornecerem uma referência precisa para a aeronave que se aproxima.

Além desses dois transmissores principais podemos ter outros que funcionam como balizas ou marcadores que são instalados a uma certa distância da pista do aeroporto, fornecendo também sinais de referência.

Assim, o marcador mais próximo da pista é denominado marcador interno, o intermediário é denominado marcador central e o mais afastado é denominado marcador externo.

As disposições desses transmissores é mostrada na figura 1.

 

 


 

 

Vamos analisar a seguir o funcionamento de cada um desses transmissores, com os sinais que eles emitem, e o que acontece também com os receptores especiais que existem numa aeronave que se aproxima.

 

a) Transmissor do localizador (localizer)

 

Este equipamento é instalado junto à pista e fornece um sinal que tem um padrão de irradiação duplo, conforme mostra a figura 2.

 


 

 

 

São produzidos assim dois lóbulos de irradiação modulados em frequências diferentes: 90 Hz e 150 Hz. O setor modulado em 150 Hz é denominado "setor azul" enquanto que o modulado em 90 Hz é denominado "setor amarelo".

A operação desses transmissores é feita na faixa de VHF entre 108 e 112 MHz, sempre em decimais ímpares, como por exemplo 108,5 MHz, 108,7 MHz, mas não 108,6 MHz (que é par). No Reino Unido, entretanto, as decimais pares também são usadas. Em São Paulo, por exemplo, (Guarulhos GRU) a frequência usada para este transmissor é de 109,3 MHz.

Conforme podemos ver pelo padrão de irradiação, um avião que se aproxime exatamente na direção correta da pista, ou seja, no eixo da pista, receberá os dois sinais com igual intensidade.

No entanto, se o avião se aproximar fora deste eixo, conforme a direção que ele vem, ele receberá os sinais de um lóbulo ou de outro com maior intensidade. Vai predominar então o sinal do setor amarelo ou azul, conforme o caso, o que é mostrado na figura 3.

 


 

 

 

O receptor é dotado de filtros que podem separar os sinais de modulação de 90 e 150 MHz segundo sua intensidade. Estes sinais, devidamente captados, fornecem então tensões que podem acionar agulhas indicadoras num painel.

Este receptor com o instrumento acionado é denominado "indicador ILS". O instrumento com a forma indicada na figura 4 em sua versão tradicional fica no painel, em local bem visível para o piloto.

 

 

 


 

 

 

Nesse indicador existem duas agulhas que são acionadas pelos sinais captados pelo receptor. Interessa-nos inicialmente a agulha indicadora de direção (direita/esquerda) cujo eixo fica na parte superior do mostrador.

A finalidade desta agulha é justamente indicar quando o avião sai do eixo de aproximação da pista, indo para a esquerda ou para a direita da direção desejada.

Assim, se os sinais correspondentes ao setor amarelo e azul chegarem com a mesma intensidade, a agulha estará na posição central mostrando ao piloto que sua trajetória está correta.

 

No entanto, se os sinais captados tiverem intensidades diferentes e a agulha for levada para a direita do curso, isso significa que o avião está fora de sua rota em direção à pista, precisando fazer uma correção.

No caso, ilustrado na figura 5, isso significa que a correção deve ser feita levando-se o avião dois pontos para a direita.

 


 

 

 

Na figura 6 mostramos as indicações que são dadas pela agulha vertical do ILS para diversas posições de uma aeronave que se aproxima de uma pista.

 

 


 

 

 

Veja então que pela simples observação da agulha o piloto pode saber se está indo na direção certa de uma pista de pouso ou se está à direita ou esquerda devendo fazer a correção de sua rota.

Nos sistemas modernos, as agulhas de indicadores mecânico são substituídas por agulhas virtuais em telas digitais, conforme mostra a figura 7.

 


 

 

 

A precisão do sistema é grande. O cone de emissão tem uma abertura de apenas 5 graus, obtendo-se assim uma indicação máxima da agulha quando o avião se desvia apenas 2,5 graus de sua rota.

Assim, cada ponto da escala indica que uma correção de meio grau na trajetória deve ser feita. No entanto, para chegar junto à pista a partir do ponto em que o sinal do localizador pode ser usado, não basta ter a informação de direção.

A partir do ponto em que o sinal do localizador passa a ser usado, o piloto precisa de um segundo tipo de sinal de referência para chegar com segurança à pista: de que modo ele deve fazer a descida a partir da altura em que se encontra.

Esse sinal é fornecido pelo segundo transmissor do sistema, conforme veremos a seguir.

 

b) Transmissor do trajeto de descida

Este transmissor deve estar localizado o mais próximo possível do ponto em que o avião fará contacto com a pista, conforme mostra a figura 8.

 

 


 

 

 

Para que seu sinal não seja confundido com o do localizador, a frequência de operação é bem diferente.

Este transmissor opera entre 329,3 e 335 MHz com separação entre canais de 300 kHz. A frequência mais alta justifica-se, neste caso, dada a necessidade de se conseguir um feixe mais estreito de irradiação.

Os sinais deste transmissor são concentrados num plano vertical com dois lóbulos modulados igualmente em 90 Hz e 150 Hz.

O lóbulo superior é modulado em 90 Hz enquanto que o inferior é modulado em 150 Hz. A linha em que se obtém igual intensidade de sinal para os dois lóbulos é ajustada para ficar entre 2 e 4 graus acima da horizontal do local da pista.

Como no caso do localizador, se o avião voar exatamente na linha central do sinal, que corresponde à trajetória considerada ideal de aproximação da pista, as intensidades de modulação serão iguais e isso fará com que no painel ocorra a indicação disso. Essa indicação é feita pela segunda agulha do indicador de ILS que se posiciona horizontalmente, conforme mostra a figura 9.

 


 

 

 

Se o avião se aproximar numa altura maior ou menor que a correspondente à linha de referência, as modulações dos setores correspondentes vão predominar e com isso a agulha vai se deslocar para cima ou para baixo, indicando ao piloto à necessidade de correção da rota.

Bastará então que o piloto tome como referência a indicação desta agulha horizontal para saber se deve subir ou descer, para manter a rota de aproximação da pista correta. Veja que os dois transmissores de localização e do trajeto de descida trabalham com frequências "emparelhadas". Assim, para uma frequência de 109,3 MHz num teremos 332.9 MHz no outro.

Esta relação é estabelecida por convenções internacionais de modo que os receptores já estão programados com o par de valores.

Basta então sintonizar uma frequência para que, automaticamente o receptor seja levado a sintonizar também a outra.

Com este procedimento o piloto tem menos trabalho, não precisando sintonizar duas vezes o receptor, o que num momento em que a aproximação da pista se faz rapidamente pode ser crítico.

Juntamente com os sinais moduladores que identificam os setores, existem ainda sinais superpostos que permitem identificar a estação emissora. Estes sinais são modulados em um tom de 1020 Hz e polarizados horizontalmente, com a identificação da estação em Código Morse. Esta identificação consiste em duas ou três letras que são emitidas com a velocidade de 7 palavras por minuto.

Assim, para São Paulo temos a emissão das letras ISP e para o Rio de Janeiro (Galeão) a emissão em Morse corresponde às letras IGL.

Nos equipamentos de ILS ainda existem recursos para se manter uma comunicação em fonia (palavra falada) sempre que houver necessidade de uma ajuda adicional para a aproximação de uma aeronave.

 

c) Marcadores

Normalmente, na linha de aproximação das aeronaves em relação à pistas são instalados radiofaróis ou marcadores que são usados como indicadores de aproximação.

Estes transmissores operam na frequ6encia de 75 MHz e tem por finalidade indicar pelo instante em que o avião passa sobre eles a distância da pista.

Isso significa que estes transmissores dirigem seus sinais para cima num cone que tem um alcance útil de aproximadamente 3 000 pés ou 1 000 metros. O transmissor mais afastado da pista normalmente fica a uma distância de 3 a 6 milhas náuticas (*) e é denominado "marcador externo". Este transmissor emite um sinal modulado com tom de 400 Hz com a sua identificação.

O sinal deste transmissor faz com que acenda uma lâmpada indicadora no painel junto ao marcador de ILS.

Assim, no instante em que o avião passa por este transmissor, nos fones de ouvido do piloto ouve-se uma série de pulsos ao ritmo de 2 por segundo e ao mesmo tempo passa a piscar no painel uma lâmpada azul com a mesma frequência.

Vem depois o marcador intermediário ou central que é instalado a uma distância em torno de 1 000 metros da pista (do ponto de contacto) e que emite uma série de pontos e traços alternados. Se sinal faz com que acenda uma luz âmbar no painel do indicador.

Finalmente, quando o avião passar pelo marcador interno que é o transmissor colocado na cabeceira da posta, são transmitidos seis pontos de tom agudo por segundo. Estes pontos têm uma frequência de 3 000 Hz e uma lâmpada indicadora branca acende no painel.

Nos mapas de aproximação dos aeroportos, usados em navegação aérea. os marcadores são indicados por abreviações padronizadas.

Para o localizador e marcador externo temos LOM e para o localizador e marcador interno LMM. Na figura 10 temos a disposição desses marcadores em relação à pista.

 

 


 

 

 

CATEGORIAS DE ILS

Originalmente, o ILS foi desenvolvido para possibilitar uma aterrissagem totalmente sem visibilidade, utilizando somente os instrumentos indicadores de bordo.

No entanto, ainda não se chegou a este ponto com total segurança, e hoje o ILS é muito mais útil para ajudar na aproximação da pista até um ponto em que haja visibilidade para que o piloto tome o controle total da aeronave completando a aterrissagem.

Esta impossibilidade de se chegar a um pouso completo às cegas deve-se a diversos problemas técnicos que existem na própria localização de um aeroporto como, por exemplo, obstáculos e outros fatores que podem afetar o padrão das transmissões.

Em 1958 a BOAC (atual Britsh Airways) manifestou interesse em aperfeiçoar o sistema.

Com os aperfeiçoamentos, o ILS passou a ter diversas categorias, conforme o seguinte critério.

 

* Categoria I - O ILS é capaz de proporcionar uma referência precisa desde o limite de cobertura dos transmissores até uma altura de 200 pés acima do seu ponto de referência. Para o funcionamento operacional isso significa uma altura de decisão (ponto em que o piloto deve decidir se prossegue visualmente ou não com o pouso) com RVR (distância da pista) de 800 metros.

 

* Categoria II - O ILS é capaz de proporcionar uma referência precisa dtesde o limite de cobertura até uma altura de 50 pés acima do ponto de referência ILS. Operacionalmente isso significa uma altura de decisão entre 200 e 100 metros e uma RVR de 800 a 400 metros da pista.

 

* Categoria III - O ILS é capaz de proporcionar uma referência precisa desde o limite de cobertura até o ponto de contacto com a pista.

 

Operacionalmente esta categoria é dividida em 3: IIIA - que tem a operação até a superfície da pista com RVR de 200 metros; IIIB - com operação até a superfície da pista com RVR de 50 metros e IIIC - com operação até a superfície da pista sem referência externa visual.

 

SEGURANÇA E LIMITAÇÕES

Evidentemente, deve haver um meio para o piloto comprovar se os sinais recebidos estão ou não corretos. Para isso, existem provas de validade que podem ser realizadas pelo piloto durante sua aproximação.

Existem duas bandeirinhas (flags) no indicador que aparecem no mostrador do ILS sendo ativadas pela profundidade de modulação. Se o sinal não está presente é suprimida a componente que aciona estas bandeirinhas havendo assim o alerta ao piloto.

A ausência do sinal de áudio no fone pode ser facilmente percebida se o piloto utilizar este recurso durante a aproximação o que serve de um alerta quanto à inoperância do sistema.

As limitações, por outro lado, podem ser tanto de ordem operacional como de implantação.

No caso da instalação, trata-se de um equipamento caro que exige uma manutenção especializada constante, igualmente cara.

Como se trata de equipamento fixo, poucos aeroportos têm condições de fazer sua instalação.

Com relação aos problemas operacionais, podem ocorrer desvios dos sinais em obstáculos próximos do aeroporto como, por exemplo, o próprio relevo e construções resultando assim em indicações falsas.

O próprio ritmo das aterrissagens deve ser reduzido com a finalidade de se evitar interferências que possam ser causadas pela estrutura de uma aeronave que vai à frente.

Em alguns casos, até a própria circulação de veículos terrestres nas proximidades dos transmissores devem ser restritas de modo a não causar alterações nos padrões de irradiação e com isso indicações falsas.

 

CONCLUSÃO

O ILS é apenas um dos recursos com que podem contar as modernas aeronaves para a realização de aterrissagens seguras. Não é preciso dizer que os pilotos capazes de usar este equipamento devem passar por um prolongado período de treinamento.

A segurança de um vôo não depende exclusivamente da perfeição dos instrumentos usados, mas também da habilidade dos homens que devem fazer sua operação, instalação e manutenção.

Existem poucos especialistas na manutenção de tais equipamentos, o que significa que a realização de cursos de eletrônica aplicada a aviação (aviônica) consiste num excelente investimento para o estudante que vê o futuro.

É claro que a instalação de equipamentos eletrônicos para aviação não se restringe ao ILS.

Ela se estende a muitos outros equipamentos como o VOR, ADF, Radar, sistemas de comunicação, etc.

(*) Uma milha náutica corresponde a 1 852 metros.

 

Artigo publicado em 1989 (revisado 2017)

 

 

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