Grande parte das cidades pequenas do interior tem, como maior orgulho, a praça central, onde se destaca a bonita fonte luminosa. Brederópolis, a cidade do professor Ventura, Beto e Cleto, não tinha ainda sua fonte luminosa e não poderia ficar atrás das outras. Na verdade teria de passar na frente! Com os talentos de tais gênios da tecnologia eletrônica disponíveis, a fonte luminosa da cidade teria de ser melhor que as outras, e o prefeito não deixou por menos: "intimou-os" a fazer isso! Veja nesta estória como realmente a fonte luminosa do professor Ventura, controlada por dispositivos eletrônicos sofisticados, teve um efeito muito diferente do esperado!...

fonte

Uma cena, que havia deixado de ser comum por algum tempo, surpreendeu Beto e Cleto quando se aproximaram da casa do Prof. Ventura: Saturnino Bolsogrande, o prefeito, com sua comitiva deixava apressadamente a casa do velho mestre, que se despedia amistosamente do "preboste".

Para os leitores que não sabem, "preboste" era o nome dado aos antigos magistrados militares que se caracterizavam pela "realeza" de seu cargo. A postura imponente do prefeito tinha levado alguns de seus adversários políticos a lhe dar este "apelido" que logo pegou! O jornal da cidade, nas mãos do partido adversário, só usava este título ao falar do prefeito. Na verdade, nas conversas informais todos usavam o título: "preboste"!

O prefeito, no fundo, não se incomodava muito com o título, mas tinha um pouco de mágoa em relação ao duplo sentido que a palavra "preboste", e seus derivados tinha adquirido desde os últimos acontecimentos, que o leitor que acompanha as estórias do Prof. Ventura conhece muito bem!

Beto e Cleto se aproximaram do professor, logo que o prefeito se afastou e perguntaram:

- O que o "preboste" queria desta vez, professor? Ele não está mais zangado?

O professor ainda se lembrava do fatídico caso das andorinhas da praça que o tinha obrigado a ficar "sumido" cidade por um bom tempo! No entanto, com o passar dos meses, o caso virou uma "bela piada" e até trouxe certo prestígio para a cidade: muitos vinham visitar a cidade e com grande interesse apontavam: (*)

(*) Veja na estória “O oscilador disentérico” (VENT002) o que ocorreu
- Foi ali que o preboste "prebostou"?

Ou então:
- Vamos tirar uma foto aqui no lugar que o Epaminondas "deletou"!...

Até mesmo uma empresa de software esteve na cidade para tentar obter o programa fatídico do professor Ventura, com a esperança de vendê-lo como "laxante eletrônico", um produto típico da era da informática! Certamente um wearable de grande sucesso.

- Imaginem só! Um aplicativo no celular para ajudar as pessoas com intestinos presos!

- Com GPS para procurar o banheiro mais próximo...

O resultado da visita desta empresa foi único incidente grave, que ocorreu quando o prefeito expulsou da praça uma equipe de TV contratada pela dita empresa de software que queria, a todo custo, gravar o comercial do "App-laxante"!

O professor, depois dessas lembranças, convidou Beto e Cleto a entrar: eles teriam novamente um trabalho unindo computadores e eletrônica a fazer!

- Nada de ultrassons, espero! - Cleto tinha ainda más recordações do que havia ocorrido no caso das andorinhas!

- Não rapazes! - acalmou o professor - A coisa é bem mais simples e não envolve programas ou circuitos desconhecidos: É uma simples montagem de um sistema de luzes rítmicas, alguns dispositivos mecatrônicos e algo mais controlado por um computador!

- Luzes rítmicas? - perguntou Cleto.

- Sim! O prefeito notou que todas as cidades vizinhas têm suas fontes luminosas, menos a nossa! Mas, ele não quer simplesmente "empatar" com uma fonte luminosa igual às outras! Ele quer algo mais!

- E aí entramos nós! - Beto se ergueu um pouco da poltrona para ouvir melhor.

- Sim, a ideia é fazer com que, além dos simples holofotes que piscam iluminando os jatos de água, estes jatos acompanhem a música do sistema de alto-falantes e até produzam efeitos especiais controlados por um microcontrolador! Ele viu isso não sei onde, e acha que podemos fazer o mesmo aqui!...

- Um chafariz luminoso microcontrolado e rítmico! É algo interessante, e aparentemente não oferece perigo!... - Beto receoso, por alguns insucessos de projetos anteriores, se acalmou um pouco.

- Exatamente! Por ser algo relativamente simples e não ter perigo aparente é que aceitei, e já tenho uma ideia formada de como deve ser!

- Puxa! Já? - Cleto ser surpreendia com a rapidez como o professor tinha suas ideias.

O projeto do professor Ventura realmente não tinha nada de simples quando analisado por pessoas "comuns"! Ele esboçou no quadro negro como seria o sistema, o que foi logo totalmente assimilado por Beto e Cleto. Eles ajudariam na montagem e instalação:

- Vamos ligar a entrada analógica de um microcontrolador aplicando o sinal de áudio de um sistema amplificador que sonorize a praça de modo a processar este sinal. O som que deve ser amplificado e reproduzido ser  constantemente analisado por um programa especial que vamos desenvolver. Este programa ser  justamente o "segredo" de nosso negócio! - o professor disso isso piscando um dos olhos.

- Como assim? - indagou curioso Cleto que ainda não tinha ideia do que viria.
O professor continuou:

- O que faremos ser  sintetizar "imagens tridimensionais" do som usando para isso jatos de água e focos luminosos das cores primárias!

- Como é que é? - Beto e Cleto se assustaram. O professor percebendo que precisaria de explicações mais complexas resolveu partir do início:

- Vocês sabem que as cores que vemos podem ser todas sintetizadas a partir do vermelho, verde e azul. É o que faz um display de um televisor ou monitor de vídeo.

- Sim, RGB! Das palavras red, green e blue que correspondem a vermelho, verde e azul! Sabemos como funciona um display! - disse Beto com segurança.

O professor foi além:

- Exatamente! Vocês podem representar as cores num gráfico tridimensional em que no eixo X colocamos o azul, no eixo Y o verde e o no eixo Z o vermelho ou em outra ordem. Combinando os valores de X, Y e Z podemos definir qualquer cor. Isso significa que no espaço delimitado por estes três eixos podemos obter qualquer cor conhecida. Todas as cores possíveis de se produzir estarão no volume delimitado por estes três eixos.

- Os televisores e monitores de vídeo fazem isso? - as dúvidas de Cleto sempre eram sanadas pelo Professor Ventura, que continuou:

- Sim! Quando desejamos que um ponto na tela do monitor tenha uma determinada cor, esta cor é determinada por três valores digitalizados ou coordenadas. Se para o azul usarmos 5 bits, para o verde mais 6 bits e para o vermelho mais 5 bits, teremos 16 bits de "informação" sobre cores que nos levam a 2 elevado ao expoente 16!
Beto, rapidamente pegou sua calculadora:

- Puxa! 65 532 cores diferentes! Ah! Então é por isso que em alguns monitores de computadores encontramos este valor!

Cleto tinha observado um detalhe importante:

- Mas, por que se usa 6 bits para o verde e 5 para as outras cores?
O professor sabia o motivo:

- Porque foi verificado que os nossos olhos são mais sensíveis a esta cor: Como 16 bits são dois bytes completos, na divisão por 3, o que sobrou foi destinado ao verde para que esta cor pudesse ter mais variações e portanto mais definição!

- Mas e a fonte?

- Ah! O que vamos fazer é simples: teremos duas fontes sonoras, uma externa que pode ser um conjunto de microfones e a interna que é um pendrive com um MP3. Vamos imaginar que estamos usando um Arduino. O som do pendrive pode ser  processado pelo programa analisador de espectro que vai funcionar como um filtro transformando as diversas frequências em valores que possam gerar informações que correspondam às três cores primárias. Estes valores, na verdade vão produzir sinais de controle que ao mesmo tempo acionem os holofotes das cores básicas e um conjunto de solenoides.

Como Beto e Cleto acenaram com a cabeça confirmando que estavam entendendo o professor prosseguiu:
- Os sinais de obtidos na saída serão usados para dois tipos de controle. Num setor passarão para uma etapa amplificadora e de modulação PWM que acionará  por meio de shields com optodiacs, um conjunto Triacs de boa potência. Os optodiacs são importantes para dar segurança ao circuito, pois isolam a rede de alta tensão que deve alimentar os triacs e válvulas de água dos delicados circuitos do microcontrolador!

- Segurança é tudo quando se trabalha com a tensão da rede de energia! - comentou Cleto. O professor continuou:

- No outro setor um conjunto de triacs vai controlar holofotes, mas cada uma de uma das cores básicas, de modo que teremos seis tríades de feixes de luzes de cores diferentes, cada um controlado pelo sinal resultante do processamento pelo microcontrolador. Assim os triacs de cada canal estarão ligado em seis tríades de válvulas solenoide, do tipo que interrompe e deixa passar a água em máquinas de lavar roupa. Vocês sabem, estas válvulas são potentes eletroímãs que ao serem percorridas por uma corrente, puxam um êmbolo, que então deixa a água passar. Quando desenergizadas, uma mola traz de volta o êmbolo à posição que interrompe o fluxo da água.

- Já começo a perceber! - disse Beto - Quando temos um pulso de som de certa frequência, o microcontrolador faz uma análise desse som e gera um sinal de controle: os holofotes então piscam cada qual com uma intensidade bem definida gerando uma cor determinada pelo programa e um jato de água salta com força! Quanto mais forte o som naquela frequência, mais forte o jato de água e com uma cor completamente diferente!

- Sim, isso mesmo! - continuou o Professor Ventura - O efeito final será interessante; como a música é dinâmica não teremos simplesmente piscadas, mas variações de luzes coloridas e ao mesmo tempo das intensidade dos jatos de água! Esses efeitos serão determinados pelo programa do microcontrolador que gera os próprios sinais de controle a partir da música! Isso diferencia nossa fonte das outras em que a luz somente pisca com a música!

- Uma fonte luminosa "dançante"! - concluiu Beto.

- Mais que isso: dançante e microcontrolada! - acrescentou Cleto.

- Taí um bom nome para sugerir ao prefeito! Fonte Dançante Computadorizada!

O professor parou um pouco para imaginar a sua obra: uma Fonte Dançante Computadorizada! Sua modéstia o impediu de imaginar também uma placa na frente da fonte com os seguintes dizeres: "Fonte Dançante Computadorizada Professor Ventura" - "Criação do Gênio da Eletrônica de Brederópolis".

Voltando "à real" o professor convidou os rapazes a fazer uma relação do material necessário à montagem. Eles teriam de submeter a ideia ao preboste, digo, ao prefeito!...

Saturnino Bolsogrande, o preboste, digo o prefeito, examinou cuidadosamente todas as relações, esquemas e planos do professor Ventura. Meio desconfiado, ele ainda chamou seus assessores para opinar. Com razão ele tinha de ser cauteloso: o professor poderia emitir novamente as "estranhas vibrações prebostantes" do caso das andorinhas, como passaram a ser conhecidas, e ele não queria correr risco nenhum!

- Está bem, professor Ventura! Acreditamos que não exista nenhum perigo em instalar este equipamento! Tem nossa autorização para executar o projeto! Também lhe cederemos nossos funcionários para trabalhar na fonte!

O chafariz já existia, na realidade um velho tanque de água com alguns sapos que coaxavam à noite toda! O povo maldosamente dizia que era a fonte "coaxante" do "preboste", comparando-a com as "fontes cantantes" das cidades vizinhas!

O trabalho de reforço e adaptação da velha fonte demorou algumas semanas, mas ficou ótimo! Sob a orientação do professor Ventura haviam sido instalados doze holofotes sendo 4 de cada cor básica e que apontavam para o centro da fonte. Seis solenoides em círculo no centro e mais seis nas laterais alimentavam esguichos especiais que jogavam água para cima e para os lados! Como a água deveria ter uma boa pressão, foi instalada uma bomba compressora. Todo o sistema era controlado por um Arduino onde rodava o software criado por muito cuidado pelo Professor Ventura, e diversos shields de controle com a bateria de Triacs da alta potência.

- Deve subir pelo menos uns 20 metros! Um borrifo da mais pura água! - comentava orgulhoso o professor mostrando o serviço ao prefeito, depois de levar em conta a pressão da bomba e a modulação PWM do circuito.

Ah! A água, esse era também um problema a ser considerado: antigamente a fonte era alimentada por um lençol natural que vinha do morro. Mas a cidade cresceu e o morro se urbanizou: a água sumiu!

Analisando a situação o professor Ventura, com técnicos do Departamento de Águas e Esgotos de Brederópolis, encontrou a solução:

- Por baixo da fonte passam os encanamentos principais que levam a água da cidade! É só puxar uma derivação e pronto! Teremos quanta água corrente for necessária!

A solução aparentemente simples, começou a complicar a partir desse momento:

Não se sabe por que "cargas d'água" chamaram para fazer a tal derivação o velho Simeão Tampacano! O velho funcionário do departamento era muito competente na realização de ligações de água e esgoto, mas tinha um pequeno defeito: era vesgo e canhoto!

- Tome cuidado! Você puxa o "T" do cano que vem da direita, e passa para a esquerda e não do cano que vem da esquerda e passa para a direita, e depois dobra para a esquerda novamente, que é do esgoto! Os dois canos têm a mesma espessura e é fácil fazer confusão, Entendeu? - explicou o engenheiro que ajudava nas obras segurando uma planta junto com o professor Ventura!

Diante da notícia da reinauguração da fonte a cidade se agitou e um dos mais entusiasmados era o... Epaminondas Portentoso! Para quem não sabe, Epaminondas era músico da banda, a mais "potente" tuba da região. Esquecido dos problemas que haviam ocorrido com o caso das andorinhas, Epaminondas, mais uma vez, polia ardorosamente seu instrumento todas as manhãs, aguardando o grande dia, em que tocaria novamente as marchas de John Philip Sousa, de quem ele era fã. À tarde ele ia animado para os ensaios com o maestro Zezinho que, com seu orgulho de grande artista, não queria nenhum deslize no grande evento!...

- Afinal! O que poderia dar errado desta vez? - era a resposta que ele dava a dona Pafúncia que, preocupada, ainda tinha más recordações da última apresentação do músico!

Mas havia alguns pequenos problemas que estavam ocorrendo paralelamente às alegrias dos munícipes: o "T" da derivação do cano de água, não estava disponível no almoxarifado da prefeitura e teve de vir da Capital, o que demorou mais do que devia, para desespero do prefeito e preocupação do professor Ventura!

- Precisamos dele para os testes! - exclamava preocupado o professor.

- Calma! Já está vindo! - acalmava o engenheiro Rodrigues do Departamento de Águas.

Quando a "conexão" de PVC chegou já era quase hora da inauguração, o que levou o prefeito a apressar mais do que devia sua instalação: Simeão não estava acostumado a fazer coisas com rapidez!

No buraco escuro que dava acesso aos canos sob a fonte, o funcionário do Departamento de águas estava realmente confuso!... As explicações de como ligar o "T" se embaralhavam em sua cabeça!

Com tantas "direitas" e "esquerdas" na explicação do engenheiro, para quem é vesgo e canhoto, e ainda estava com um forte resfriado incomodando, ele já não sabia mais em que cano fazer a derivação e o que o leitor deve estar esperando, aconteceu: ele ligou-a no esgoto em lugar da água!

Tudo isso não teria problema, se tivesse havido tempo para um teste. No entanto, a ligação foi feita "em cima da hora"! Mesmo sob protestos do professor Ventura, o preboste, digo, prefeito, que não queria perder "dividendos políticos" não aceitaria um adiamento da inauguração, que certamente daria muito assunto para seus inimigos políticos!...

- A fonte vai ser inaugurada hoje! E na hora certa! - batia forte na mesa da prefeitura o irritado preboste, diante dos argumentos para se tentar um adiamento.

O professor olhou para o relógio preocupado: faltava apenas meia hora para o "grande acontecimento"! Mesmo que ele quisesse fazer um teste naquela hora seria impossível, pois a praça já estava tomada de populares que aguardavam o grande acontecimento.

Até a banda já se acomodava no coreto diante da fonte e se preparava para iniciar sua programação musical.

Epaminondas estava radiante! De uniforme novo (o antigo havia sido enterrado, por motivos que os leitores conhecem!), e com muitos botões de bronze brilhando, ele segurava com muito carinho sua amada e reluzente tuba!

O professor Ventura, ao lado do microcontrolador e do laptop de programação, carregava o programa de controle e testava os demais circuitos do sistema de acionamento de válvulas e holofotes. Ao mesmo tempo em que digitava os comandos, dava algumas instruções finais a Beto e Cleto, bastante preocupado:

- Não vai dar para fazer um teste prévio com a água! Vocês têm certeza de que o "negócio" está funcionando perfeitamente?

- Fizemos um teste da parte de controle, professor, e está tudo bem: quando colocamos a música do sistema de som os holofotes piscaram normalmente dentro dos padrões programados! Verificando na fonte, observamos que todos os solenoides "estalam" no ritmo certo, o que quer dizer que estão sendo acionados!

- A bomba compressora também está OK! O manômetro indica uma boa pressão.

É só abrir o registro na hora certa! - completou Cleto que a havia inspecionado.

- Menos mal! Pelo menos sabemos que até aí está  tudo bem! Só tenho receio quanto à força com que a água vai subir, mas como as pontas dos esguichos estão para cima e para dentro da fonte, acredito que não teremos problemas! - falou mais aliviado o professor.

- Sim, tivemos o cuidado também de verificar se todos os esguichos estão bem ajustados. Eles são móveis, e uma mudança de posição poderia estragar o efeito!

Saturnino Bolsogrande, o "Preboste", chegou na hora certa, com sua comitiva formada por vereadores, secretários, assessores e muita gente influente do município. O professor Ventura foi convidado a subir no palanque, pois seria homenageado por sua "contribuição ao sucesso do projeto..." Beto e Cleto ficaram no controle do equipamento.

A banda tocava animada as marchas de Sousa e já começava a anoitecer. O horário da inauguração da fonte tinha sido planejado para que estivesse escuro: isso era fundamental para os efeitos de luz!

O discurso do prefeito foi inflamado e todos aplaudiram. Orgulhosa e elegante no seu vestido branco, a primeira dama do município ao lado do professor Ventura, de vez em quando sorria e acenava para um conhecido!

Chegou finalmente o momento da inauguração e para isso haveria uma configuração eletrônica diferente em ação, planejada pelo professor, que num "estalo" sugeriu ao prefeito: um conjunto de microfones foi instalado diante da banda, e ao comando do maestro, quando ela tocasse os acordes de uma marcha cuidadosamente escolhida, os sons seriam captados e processados pelo bem elaborado programa de efeitos carregado no microcontrolador. Devidamente modificados para os controles numéricos eles acionariam o sistema "dançante" da fonte. Em suma, a fonte deveria acompanhar o ritmo banda no momento da inauguração!

A música da banda faria o espetáculo de "luzes e cores" na inauguração da fonte!

Epaminondas estava orgulhoso, pois um dos microfones tinha sido colocado justamente diante de seu "potente" instrumento! Ele iria se esforçar como nunca, para ser o melhor! Haviam lhe informado que o tom grave de sua tuba iria acionar, praticamente com exclusividade, um dos "canais" da fonte, pois teria um processamento especial, e isso aumentava sua "responsabilidade"!

- Vermelho! O tom grave de meu instrumento vai gerar lindos flashes de luz vermelha! - Epaminondas, orgulhoso, repetia as explicações do Professor Ventura, acariciando sua preciosa tuba.

O prefeito finalmente anunciou:

- E agora, o grande momento! Sob a música da "Gloriosa" Corporação Musical de Brederópolis, nosso querido povo vai ter a oportunidade de ver pela primeira vez as puras águas de nosso subsolo dançando com todas as cores vivas da natureza fato apenas possível pela competência, genialidade e espírito inventivo do grande Professor Ventura!

Todos aplaudiram e fez-se silêncio quando o maestro Zezinho levantou os braços.

Enquanto isso, a bomba compressora trabalhava ininterruptamente e a toda potência no sentido de garantir a pressão da água, digo do que entrou por engano no sistema, e essa pressão não era pouca!...

Foi dada a ordem para acionar o sistema e com um sinal, a banda "atacou" mais uma marcha! Todos olhavam atentamente para a fonte esperando os "límpidos e potentes" jatos de água que o preboste anunciara, mas o que aconteceu foi bem diferente...

O líquido que passava pelos encanamentos em direção aos esguichos não era e nem tinha a mesma "consistência" da água, e isso causava uma forte sobrecarga da bomba compressora que vibrava perigosamente! Com diversas "pelotas", o malcheiroso fluido estancou junto aos esguichos ao mesmo tempo que a pressão aumentava tremendamente no sistema, acompanhando o ritmo da banda!

O prefeito percebeu que algo anormal ocorria, assim como o maestro Zezinho, pois não estava "acontecendo nada" com a fonte! Pensando que o problema era o nível da música, o maestro ainda deu sinal para a banda tocar mais forte!...

Epaminondas, a tuba mais "potente" de toda região foi quem primeiro respondeu ao comando e isso foi um desastre: o rosto do músico ficou azul, o que era normal quando fazia muita força, seus olhos se juntaram, e ele soprou!

Desta vez a nota não saiu por baixo, mas por cima, e o microfone diante da tuba praticamente foi "entuchado" com a potente vibração sonora transformando-a num sinal elétrico de grande complexidade que processado pelo Arduino gerou um byte completo de "uns" incluindo o bit de paridade! O estranho sinal de comando, que não estava previsto no programa, foi levado a interface de potência acionando vários triacs ao mesmo tempo, dada sua intensidade! Isso foi suficiente para que a pressão da bomba finalmente vencesse a viscosidade do malcheiroso fluido que então jorrou em todas as direções na forma de enormes "pelotas"!

Splash! Splash!...

O esforço e a pressão haviam mudado a orientação dos esguichos que então apontavam para direções totalmente imprevisíveis!

As "pelotas" pareciam granadas voadoras que descrevendo curvas precisas no espaço começaram a atingir seus alvos!

Mas a primeira, que correspondia justamente aos sons graves da tuba do Epaminondas, e por isso acompanhada de um "lindo" clarão vermelho cor-de-sangue que lhe deu o aspecto de um "meteoro flamejante", subiu realizando uma parábola perfeita e caiu justamente dentro da... tuba do pobre músico, entupindo-a!

Ploft!

O músico não viu o "tiro", pois estava praticamente de olhos fechados, devido a força que fazia para tocar, mas percebeu que algo de anormal tinha acontecido! Fez força novamente, e nada! Estava realmente entupido!

Num estalo, entretanto, Epaminondas teve então um pensamento infeliz:

"- Se soprando não sai, então vamos "chupar"!..." - e chupou!...

O gosto foi horrível: algo como ensopado de "macaco matado à tapa" com chá de galochas e cabo de guarda-chuva! Epimanondas, adquirindo todas as cores possíveis, engasgou, e sem sequer ter tempo de tirar a boca do instrumento cuspiu através da própria tuba o que restava do "corpo estranho" espalhando-o numa espécie de borrifo! Dizem que o som emitido foi algo que estava entre o urro de um elefante e o apito do Titanic! As opiniões de quem ouviu divergem, mas o fato é que a potente nota musical não estava na marcha e até assustou o maestro!

Um garotinho, observando o músico, nesse momento, puxou o paletó do pai e disse:

- Olha pai! Tem outra fonte luminosa ali!

Se não era luminosa, pelo menos era colorida!

Epaminondas agora verde, vesgo, engasgado e tendo quase "virado do avesso", largou a tuba e saiu correndo!

- Argh! Estou envenenado!

O mais interessante de tudo é que o som desta nota também foi captado pelo microfone e serviu para realimentar o sistema eletrônico! O professor Ventura posteriormente comentaria que, pela primeira vez na história da eletrônica, se obteve um circuito "híbrido" em que o "feedback" ou sinal de realimentação ou comando de um programa mudava de "consistência" no seu percurso, transformando-se numa pelota de esgoto!... Coisa interessante, do ponto de vista puramente técnico, é claro!...

- Não está em nenhum manual!

O maestro, de costas, não percebeu o que estava acontecendo na fonte e por isso continuou a reger a banda com o mesmo ritmo forte e ela obedeceu... A música continuou e novas pelotas acompanhando seu ritmo, agora em maior quantidade, eram disparadas aleatoriamente e em todas as direções! A forte pressão do compressor fazia com que o esforço nos esguichos alterasse constantemente suas posições de modo que cada nota correspondia um "tiro" que saia apontado para um local diferente!

A segunda "pelota", quase simultânea à primeira, também merece ser citada, pois atingiu em cheio a "testa longa" do preboste, digo, do prefeito que na verdade era careca! Os borrifos resultantes do violento "splash" sujaram diversas pessoas a sua volta, deixando um mal-cheiro terrível! A primeira dama com seu belo vestido branco foi uma das atingidas! O prefeito recuou assustado não sem antes ouvir no meio da multidão uma exclamação que já lhe era familiar, e que usava o tão temido verbo:

- Ih! O preboste foi "prebostado" outra vez!

Mais uma vez, não houve tempo para risos, pois a "prebostagem" foi geral! Uma chuva de esgoto caiu então diretamente sobre a multidão que se dispersou em pânico!

Beto e Cleto perceberam o que estava ocorrendo muito tarde para evitar os primeiros tiros, e isso foi fatal! Um indivíduo que estava perto, ao perceber o que estava acontecendo e vendo um "tiro" vir diretamente na sua direção tentou correr e tropeçou no cabo que ligava o microcontrolador aos shields de controle, desligando-os! Com o microcontrolador "fora do ar" o circuito de potência "travou"!

- Desliguem o sistema! Desliguem o sistema! - gritou o professor Ventura desesperado, tentando sair do palanque.

Beto e Cleto ainda tentaram cortar a alimentação e com isso desativar os triacs, mas não era possível! A multidão em pânico impedia que eles chegassem ao circuito de potência que estava centralizado numa casinhola por baixo da fonte! Estava fora do alcance e, portanto, fora de controle!

- Não podemos! - gritou Cleto, se protegendo do "bombardeio" com uma tampa de latão de lixo.

A música só parou quando uma bela "pelota" de esgoto atingiu em cheio o maestro Zezinho que quase caiu do tablado! Neste momento a gloriosa Corporação Musical de Brederópolis se desintegrou com os músicos debandando em pânico, o que aumentou ainda mais a confusão!

O prefeito, sujo e nervoso deixou o local acompanhado da primeira dama que chorava e com eles a suja e "prebostada" comitiva! Alguns escorregões na praça pioraram a situação de alguns que haviam levado apenas leves "borrifos"!

- Nunca pensei que minha "moral" pudesse ser tão abalada por algo que "vem de baixo"! - exclamava nervoso o "preboste" em fuga!...

A fonte ainda continuou a "dar tiros" por algum tempo!
Foi com muito sacrifício, não sem levar alguns "tiros" que o professor Ventura, Beto e Cleto chegaram até a central de força que alimentava todo o circuito conseguindo desligá-la.

- Ufa!

Percebendo o perigo que corriam, o professor, Beto e Cleto mais uma vez deixaram a cidade por algum tempo!... No entanto, mais uma vez acabariam perdoados, quando constatado que realmente a culpa do que ocorreu não foi deles...

Em casa, Epaminondas tentava tirar o gosto horrível da boca, bebendo muita água, tossindo e quando finalmente se acalmou, disse furioso para dona Pafúncia que o atendia:

- Isso não vai ficar assim! A minha vingança será terrível! (E foi! Na estória "A Vingança de Epaminondas Portentoso", contaremos o que o pobre músico fez para vingar sua m  sorte!)

A praça ficou em estado lastimável. O prefeito desolado comentava com um assessor no dia seguinte:

- Até a estátua do nosso querido fundador, Brederodes Rancatoco ficou suja com os "borrifos" do esgoto! A oposição vai se aproveitar disso, não tenha dúvidas!

- Já começou! - informou o assessor, jogando na mesa do prefeito o jornal do dia.
Na primeira página uma "charge" mostrava a estátua de Brederodes Rancatoco que, em lugar de apontar para oeste com a mão direita, tinha entre os dedos um "chip" de microcontrolador, enquanto a outra mão, que no original estava enfiada no bolso, na caricatura bem desenhada do jornal... segurava o nariz, protegendo-se do mal-cheiro!...

O prefeito só teve uma palavra para expressar seu desagrado:

- Desgraçados!


 

Março 1996/Revisado 2017

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