Aparelhos eletrônicos podem ser usados de formas muito interessantes no relacionamento de humanos com animais. Podemos citar o exemplo de espantalhos, aparelhos para atrair peixes e até mesmo condicionadores para treinamento de cães. No entanto, quando as experiências são feitas de uma forma pouco controlada, os resultados podem ser inesperados e até incríveis! É exatamente o que ocorreu nesta estória, em que se forma um "triângulo amoroso" envolvendo uma elefanta, o Epaminondas e a sua tuba, tudo por causa de um aparelho eletrônico!

Cleto encontrou Beto fazendo experiências com um aparelho esquisito, que parecia ter efeitos estranhos sobre o velho Fido, o cão mascote da escola. Sempre que Beto apertava um botãozinho no aparelho, alguma espécie de emissão misteriosa, que Cleto não conseguia identificar, acontecia, e o cão vinha correndo de onde estivesse.

Nada se ouvia, nada se via saindo do aparelho, o que deixou Cleto mais curioso e espantado ainda. Não teve dúvidas: no terceiro acionamento do engenho ele se aproximou mais e perguntou:

- Que diabo ‚ isso? Um "Chama Cachorro Eletrônico"?

Beto riu, mas não deixou de dar as devidas explicações ao amigo:

- Estou trabalhando com circuitos "condicionadores de animais" e esse é bastante interessante, pois funciona com cães, e todos os bichos que podem ouvir ultrassons.

- Ultrassons! Por isso que não ouvi nada! - interrompeu Cleto.

- Exatamente! A ideia é simples: você gera um padrão ultrassônico que o cão identifique perfeitamente, e depois passa a fazer um trabalho de condicionamento.

- Condicionamento? - perguntou Cleto, estranhando o termo.

Beto não se abalou, continuando com suas explicações, ainda segurando o pequeno "engenho":

- Sim, "reflexo condicionado", lembra-se do que o professor Ventura uma vez explicou sobre Pavlov?

Cleto agora "se ligou" no assunto:

- Ah! Agora sim. Aquele "cara" que condicionou cães a salivarem sempre que ouviam uma campainha e provou que isso se devia a um "reflexo" que era induzido naturalmente no animal depois de muitas experiências!

- Isso mesmo! Este fato é que nos possibilita treinar os animais, que na realidade têm pouca inteligência para "aprender" realmente as coisas. Vamos fazendo com que o animal associe, por exemplo, uma ordem de "sentar" com o ato que inicialmente forçamos. Depois de certo tempo, torna-se um "reflexo" e quando ele ouvir a palavra "sentar" quase que inconscientemente ele repete a operação!

Cleto estava, na realidade, interessado no aparelhinho do amigo, e neste ponto já concluiu como ele era utilizado:

- Então você "apitou" um "monte de vezes" este negócio no ouvido do Fido, dando sempre uma "recompensa", e agora ele ficou "condicionado". Quando ouve o "apito" ele corre pensando em ganhar alguma coisa!

- Exatamente! E foi muito fácil, levando em conta que o Fido é louco por pipocas!

Dito isso, Beto apertou o botão do pequeno emissor ultrassônico e o cachorro, que já estava um pouco afastado dos dois, voltou correndo.

Beto para não perder o condicionamento tirou do bolso algumas pipocas e deu ao cachorro que "agradeceu" na linguagem canina: abanou o rabo e comeu rapidamente.

- Não podemos deixar de dar a recompensa muitas vezes, pois ele pode perder o "condicionamento"! - explicou Beto, dando mais algumas pipocas ao Fido.

Cleto ainda olhando a cena estava entusiasmado, mas ao mesmo tempo embaraçado com a possibilidade de haver utilidade para tal coisa:

- Mas, para que diabo serve isso além de "ativar" o velho Fido?

Beto, que tinha uma visão mais ampla das coisas, deu vários exemplos:

- Podemos treinar animais de modo que eles respondam a um comando somente de uma pessoa. Para cães policiais isso teria grande utilidade. Até mesmo num espetáculo de animais treinados isso poderia ser usado.

- Num circo, por exemplo?

Mal Cleto havia dito isso, por uma grande coincidência, entrou na rua da escola o que parecia ser uma grande caravana: animais, uma banda de música (que não era a do Epaminondas) e um carro com um alto-falante que anunciava que estava chegando a Brederópolis o "Grande Circo Internazionalle d'Italia".

Na realidade, de grande e que lembrava algo internacional, havia apenas a elefanta Carmela, e o diretor Giuseppe Stromboli, um italiano de botas e bigodes longos empunhando um chicote...

O resto eram alguns malabaristas, palhaços e alguns animais "nacionais" treinados, como um burrico "matemático", um grupo de cães saltitantes, um velho leão sem dentes e o macaco Ticão, com cara triste.

O circo estacionou exatamente no grande terreno vazio diante da escola, onde iria ficar armado por uma "temporada" de uma ou duas semanas.

Beto olhou para o amigo quando a "caravana" estacionava e comentou:

- Falou em circo e aí está ele! Talvez até nos deem a oportunidade de fazer uns "testes" com os bichos!

Cleto concordou com o amigo:

- Não é má ideia! Desde que não seja com o leão!

O assunto foi esquecido por algum tempo, e enquanto isso Beto continuava se "divertindo" com seu "condicionador canino", como passou a chamar o "oscilador ultrassônico".

Demonstrando ao professor Salgado, diretor da escola, e outros professores de áreas não eletrônicas além de alguns funcionários ele os havia impressionado com a possibilidade de se "controlar um animal a distância" por meio de um aparelho eletrônico!

Somente o professor Ventura é quem ria do projeto, sabendo que na realidade ele não continha nenhuma configuração "milagrosa".

Mas, o que Beto não sabia é que havia mais alguém muito impressionado com o "aparelhinho".

Numa das demonstrações, feita no pátio da escola, eles não perceberam que, de longe, havia alguém que olhava, com os olhos arregalados, estupefato e muito interessado, para o estranho aparelho!

Era Giuseppe Stromboli, o italiano diretor do circo, que não acreditava no que via:

-"Madonna Mia! Uno Controllo Remoti per cane"! (Nossa Senhora! Um controle remoto para cachorro!)

Ele não se conteve, e quando Beto e Cleto ficaram sozinhos no pátio, brincando ainda algum tempo com Fido, se aproximou.

"- Buona Sera!"

- Boa tarde! - responderam os rapazes, que mesmo sem entender italiano, perceberam que o bigodudo diretor do circo, de cartola, botas e, portando, um enorme chicote, os cumprimentava. E num português misturado com italiano, ele foi direto ao assunto:

- Não pude deixar de observar o maravilhoso aparelho que vocês usaram para chamar "vostro cane"! Me agradaria muito saber como posso obter "uno"! Na realidade, me proponho a comprá-lo! Fico imaginando que sucesso faria em "mio" circo se pudesse controlar os animais como vocês!

Evidentemente, o Diretor do circo que havia observado a demonstração de longe, não sabia que se tratava de um "condicionador".

Com rápidas explicações Beto procurou mostrar ao italiano que o aparelho simplesmente emitia ultrassons e que o "trabalho" com o Fido era simplesmente de treinamento!

Mas, diferentemente do que Beto esperava, Giuseppe não ficou desapontado:

-"Magniffico"!

E, colocando a mão na sua barbicha comprida como quem tem uma grande ideia ele segredou para Beto e Cleto o que pretendia:

- "Vero"? Se é "solo" isso, eu tenho "una buona" idéia! Por que não me montam “uno” desses "condicionadores" para que eu possa usar para chamar a elefanta Carmela! Faria um sucesso e seria fácil de treinar! Pago bem se vocês me ajudarem!

Beto não se entusiasmou pela ideia de receber algum dinheiro mas sim com a possibilidade de "testar" seu aparelho com um animal diferente.

"- Um elefante! Puxa, seria muito interessante testar esse controle com um elefante!"

Beto, antes mesmo que Cleto ameaçasse algum tipo de reposta concordou com o Diretor do Circo.

- Vamos ajudá-lo! Podemos montar um "controle remoto para elefante"!

Guiseppe interrompeu:

- Elefanta! É ela! Carmela é "una dama"!

Nesse ponto Beto impôs suas condições:

- Mas, para sabermos que tipo de sinal usar, precisamos antes fazer uns testes! Não sabemos se elefantes ouvem ultrassons!

O Italiano não colocou obstáculos aos rapazes:

- Podem entrar e sair a hora que quiserem!

Com isso, uma interessante ideia de montagem se configurou para Beto e Cleto que logo correram em busca da ajuda do professor Ventura.

- Tentem verificar que tipo de som é mais facilmente percebido pelo "bicho"! - foi a sugestão inicial do professor Ventura.

- Essa não! Levantar a "curva de resposta de um elefante"! Taí um trabalho que nunca vi em nenhum livro de eletrônica! - comentou ironicamente Cleto.

- Nem nas informações da série "Circuit Bench, Newton C. Braga previu isso! - completou o professor Ventura, rindo. Quem sabe encontram algo no site www.newtoncbraga.com...

Na manhã seguinte Beto e Cleto foram ao circo levando o oscilador ultrassônico, mas com uma pequena modificação: colocaram um controle de frequência que permitia variar os sinais de 18 000 a 40 000 Hz.

Experimentariam todas as frequências até obter a que sensibilizasse mais o animal, pois não haviam conseguido informações em livros sobre a "faixa audível" dos elefantes!

Diante do amistoso animal, que logo conquistaram com a ajuda de alguns amendoins, Beto e Cleto começaram a fazer os testes.

Davam um amendoim ao animal ao mesmo tempo em que "acionavam" o aparelho, repetiam duas ou três vezes a operação na mesma frequência e depois se afastavam.

Em seguida, acionavam o aparelho, sem os amendoins, e verificavam a reação do animal.

- Se ele ouviu o ultrassom vai ter alguma reação e deve vir em busca dos amendoins! - comentou Cleto.

Nada!

Fizeram isso com toda a faixa varrida pelo aparelho e nada! Nenhuma reação do "bicho".

- Vai ver que é surda! - comentou desanimado Cleto.

- Não pode ser! Pois atende aos nossos chamados. Pode ser que não ouça ultrassons, mas, se usarmos sons audíveis, a "coisa" perde a graça!

Os dois ficaram quietos por mais alguns instantes até que Cleto teve uma ideia:

- E se modular o ultrassom com uma baixa frequência?

- Não é uma má ideia! Vamos ver o que o professor Ventura acha.

Os dois contaram o que pretendiam ao professor que logo sugeriu um circuito que gerasse um ultrassom modulado numa frequência em torno de 60 Hz, algo que estaria mais de acordo com as características acústicas das enormes orelhas do animal!

- Acho que uma baixa frequência, algo assim que pareça o som de outro elefante, modulando o sinal principal, pode causar alguns "efeitos mais profundos". Deveria ser algum som que tivesse um padrão mais complexo do que o de uma simples frequência! Não tenho ideia do que poderia ser, mas podemos tentar!...

E tentaram!

O circuito desenvolvido foi muito interessante: Beto pegou um gravador digital e o acoplou a um 555 gerando ultrassons em torno de 30 kHz.

O 555 era ligado a uma potente etapa amplificadora com um MOSFET de potência e que tinha como carga um tweeter piezoelétrico e um woofer miniatura, como usado em home theater.

Alimentado com 4 pilhas recarregáveis ele dava uma boa potência de áudio.

Mas o que colocar no gravador digital como modulação?

Beto e o professor Ventura estavam pensando nisso quando Cleto deu um salto da cadeira, olhou para o relógio e exclamou:

- Ainda dá tempo!

Pegou seu pequeno gravador e saiu correndo, tendo tempo apenas de dizer uma palavra:

- Aguardem!

Cleto voltou depois de uma hora e, imediatamente, acoplou a saída de seu gravador de fita ao gravador digital, para onde transferiu o estranho conteúdo da fita. Beto e o professor Ventura não puderam ouvir nada, pois a transferência foi direta.

Muito curiosos, eles ainda tentaram tirar alguma informação de Cleto o qual simplesmente respondeu:

- Fiquem calmos! Consegui um ótimo padrão de baixa frequência para nossos testes. Se der certo, depois eu lhes conto o que é!

Tirou a fita do gravador e guardou no bolso, com carinho.

Imediatamente, foram até a Carmela que os recebeu alegremente esperando uma nova "torrente de amendoins".

Desta vez não foram necessários muitos testes.

Logo no primeiro toque, quando Cleto oferecia amendoim a elefanta, a reação foi forte, na verdade até inesperada: o pesado animal desprezou o amendoim avançando para os dois com um forte urro, mas de forma "carinhosa"!

Parecia querer abraçá-los com a tromba!

- Está funcionando! - exclamou entusiasmado Beto.

Para surpresa dos rapazes, já no segundo toque, mesmo sem oferecer amendoins a elefanta corria até onde estava o aparelho, parecendo querer pegá-lo com a tromba!

- Gosta do aparelho! - comentou Cleto.

- Deve ser o padrão sonoro! Mas que diabo de modulação você usou?

Cleto não respondeu, fazendo "mistério". Depois ele contaria...

O dono do circo, ao assistir à demonstração, ficou animadíssimo!

- "Grazie"! Fabuloso! Fantástico! Estupendo! Funciona!

Já queria "tomar posse" do "condicionador", mas Beto e Cleto, impedindo, pediram mais tempo:

- Precisamos ajustar melhor o aparelho e fazer o "condicionamento" do animal. Dois ou três dias a mais serão suficientes!

- "Vero?" Estando pronto para o "sabato", quando estreamos, esta bom! - concordou Giuseppe.

Beto e Cleto foram embora, não percebendo que a elefanta os olhava fixamente, de um modo esquisito! Seu comportamento havia se alterado profundamente, mas isso só seria descoberto mais tarde.

Diante dos resultados positivos Beto até se esqueceu de perguntar ao amigo que "diabo" de modulação ele havia gravado na fita e transferido ao aparelho.

Exceto pela novidade do circo, que se apresentaria pela primeira vez no final de semana, a vida em Brederópolis não sofreu nenhuma alteração, pelo menos por enquanto.

Ao anoitecer, a banda novamente iria tocar no coreto e Epaminondas Portentoso, com sua potente tuba, daria mais uma demonstração de força e talento.

Desta vez ele tocaria com um pouco mais de vontade, para mostrar que a sua banda era muito melhor do que a do circo, que na verdade não tinha pretensão alguma de competir.

- Não tem tuba! Imagine só uma banda sem tuba! - comentava incrédulo Epaminondas com seus companheiros da Corporação Musical.

Uma após outra, as marchas da Gloriosa Corporação Musical de Brederópolis encheram os ares da noite, alegrando as pessoas, mas tendo também um efeito muito estranho em um certo ser que havia chegado à cidade naqueles dias: a elefanta Carmela!

As estranhas modulações que Cleto havia gravado e colocado no "condicionador", acabaram por sensibilizar o animal de uma forma interessante e totalmente imprevista!

Muito mais que isso, acabaram por mexer com seus "sentimentos"!

Ouvindo o som da banda, a elefanta se perturbou e depois de forçar a corrente que a prendia pela perna a uma estaca, acabou por rompê-la, escapando!

Ninguém percebeu isso, e ela saiu livremente pelas ruas de Brederópolis.

Seu destino: a praça onde a banda tocava, mas ela não avançou diretamente contra a origem da sua perturbação.

Carmela se escondeu atrás de uma moita e, simplesmente, ficou observando!

Admirava, quieta e absorvida, de longe, com um olhar apaixonado a origem de tão "maravilhosos tons" que haviam abalado seu coração!

De onde vinham estes tons tão doces para o corpulento animal?

Da tuba do Epaminondas, naturalmente!

Quando a banda terminou a apresentação, e o povo se dispersou, deixando a praça vazia, apenas Carmela se manteve impassível no seu esconderijo e, observando atentamente, viu quando Epaminondas empunhou a tuba tomando o caminho de casa.

Carmela o seguiu, mantendo certa distância, mas não se conteve: gradualmente foi se aproximando, se aproximando, se aproximando...

Assobiando uma marcha de Sousa, Epaminondas já estava no alto da ladeira, rumo à Vila Nova, onde morava, quando percebeu um "bafo" estranho nas suas costas.

Encolheu-se arrepiado e, devagarzinho, foi virando-se para trás, até que deu "de cara" com a enorme elefanta! Não teve outra reação:

- Uaaaiiii!

Apavorado, sua primeira reação foi tentar correr, mas a elefanta segurou a tuba!

Não teve dúvidas: fez um esforço danado para livrá-la.

Afinal, pensou ele: "- Nenhum bicho, por maior que seja, vai tentar arrebatar minha amada tuba! Morro junto, mas não largo!"- até que conseguiu!

Disparou então, ladeira abaixo, com tuba debaixo do braço e a desajeitada elefanta a persegui-lo!

Epaminondas encontrou a porta da frente de sua casa aberta, e entrando como um foguete foi direto para o quarto onde mergulhou, com tuba e tudo, debaixo da cama, não sem antes gritar:

- Pafúncia! Socorro!...

Dona Pafúncia, que já tinha visto aquela cena muitas vezes, pois sempre que estava "em perigo" ele fazia isso, armou-se de uma vassoura e foi em socorro do marido!

Evidentemente o leitor não espera encontrar também a elefanta enfiada sob a cama, junto com o Epaminondas e a tuba, pois o pesado animal não conseguiu ultrapassar a porta.

Dona Pafúncia entrou no quarto armada da vassoura, bem a tempo de ver a elefanta do lado de fora, com a tromba enfiada na janela, puxando a tuba de Epaminondas que, debaixo da cama gritava tentando impedir, com todas as suas forças, que ela fosse arrebatada.

- Larga! Bicho danado!...

Umas vassouradas de dona Pafúncia, entretanto, fizeram Carmela largar a tuba e se afastar.

Foi neste momento chegaram os homens do circo, que alertados pelos vizinhos, correram em busca da elefanta.

Encontraram Carmela com um olhar triste observando a janela da casa de Epaminondas.

- Animal maluco! Cismou com minha tuba! - comentou Epaminondas, limpando a roupa, depois de sair debaixo da cama, e protegendo ainda seu precioso instrumento!

- Que será que deu nela? Nunca fez isso antes! - comentou o tratador que veio buscá-la.

Beto e Cleto ficaram sabendo do fato no dia seguinte.

Cleto pareceu muito mais preocupado que Beto, mas não disse o porque.

Continuaram a fazer experiências com o "condicionador", mas com cuidado, o dono do circo e o tratador haviam comentado que o comportamento do animal estava "estranho". Mas, para Beto e Cleto a Carmela continuou amistosa: parecia gostar das emissões do "condicionador".

No entanto, o que ninguém podia prever é que, naquela noite, novos problemas ocorreriam envolvendo a Carmela.

Tão logo a banda começou a tocar na praça a elefanta ficou agitada.

Afinal, ela podia ouvir os "maravilhosos tons" da tuba do Epaminondas de onde estava, e sabe-se lá porque, isso estava mexendo com os sentimentos do animal.

Não houve jeito de conter Carmela: agitou-se tanto que, mesmo com o tratador próximo, tentando acalmá-la, a elefanta escapou e, depois de um forte urro, foi direto em direção à praça.

- Segurem o "bicho"! - foi a única coisa a se ouvir claramente, antes do reboliço que ocorreu, quando ela saiu então pela rua principal em disparada!

Os populares que estavam na praça ao perceber a elefanta "desembestada" não tiveram dúvidas: debandaram!

E, a banda quando percebeu que ela vinha direto ao coreto também debandou!

- Salve-se quem puder! - gritou o maestro Zezinho jogando a batuta para cima e saltando do coreto pela parte oposta.

Mas, o mais assustado era Epaminondas que percebeu que era ele que a elefanta visava!

O enorme animal o olhava fixamente e vinha acelerado em sua direção!

Mais uma vez, arrepiou-se todo e, tomando a tuba debaixo dos braços, saiu como um foguete, tendo apenas tempo de gritar:

- Uaaaiii!

E, novamente a cena se repetiu: Epaminondas com a tuba debaixo do braço correndo o quilometro e meio até a sua casa, com a elefanta desembestada em seu encalço!

Atrás, correndo mais que podiam, vinham o tratador, alguns empregados e o diretor do circo!

Epaminondas entrou à toda em sua casa e, novamente atravessando a sala como um foguete, foi para o quarto onde mergulhou debaixo da cama.

- Pafúncia! Socorro!...

Os homens do circo, que haviam alcançado a elefanta, conseguiram dominá-la e já a levavam de volta.

- Não é possível! Ela nunca fez isso antes! - comentou o tratador.

- É a tuba do músico! Ela vai atrás da tuba! - comentou outro funcionário que percebeu as intenções da elefanta.

- Gosta da tuba! Incrível! - comentou alguém da pequena multidão que se formava em torno da casa de Epaminondas.

Epaminondas, apavorado, não se atrevia a sair de casa, enquanto o animal não estivesse bem longe.

Empunhando uma vassoura "para defender até a morte sua amada tuba" ele permanecia "de guarda" espiando pela janela. O único comentário que foi possível ouvir foi o seguinte:

- Outra vez! Não é possível! Esse bicho cismou com a minha tuba!

Giuseppe Stromboli, só observava a estranha cena, mexendo na sua longa barbicha.

Até que, em determinado instante, ele finalmente ele teve um "estalo" percebendo o que estava ocorrendo:

-"Porca miséria"! Carmela está "apaixonada" pela tuba do "Signore" Epaminondas!

- O grupo de pessoas que havia se juntado no local ao ouvir aquilo começou a rir! E a notícia se espalhou!

- Apaixonada! Pela tuba do Epaminondas! - Beto e Cleto não acreditavam no que ouviam, quando o diretor explicou o que tinha ocorrido.

Até o jornal local já tinha se aproveitado do fato e na sua edição daquele dia anunciava com estardalhaço:

"Triângulo Amoroso Quase Termina em Pancadaria! - Epaminondas tenta agredir a Elefanta Carmela, amante de sua tuba!"

Era meio esquisito analisar como aquilo era possível, pois de que modo determinar o "sexo" da tuba? O nome é feminino, mas o tom é grave!...

A cidade se divertia com o fato, com as piadas se multiplicando, mas para os envolvidos no problema a "coisa" era séria.

No circo, os rapazes, o professor Ventura juntamente com Giuseppe Stromboli e o treinador de Carmela analisavam o caso:

- Mas por quê? Será que o nosso condicionador "mexeu" com os sentimentos da elefanta? Não acredito! Não tem nada a ver! - comentou Beto.

Cleto, que estava perto, com um ar preocupado puxou o amigo pelo braço e finalmente confessou:

- Amigo! Acho que tem, e muito!

- ?

Diante do ar perplexo de Beto e do Diretor do circo ele explicou:

- A culpa é minha! Lembra-se que o professor Ventura sugeriu que usássemos uma modulação de baixa frequência para o ultrassom emitido pelo condicionador?

- Sim, e você saiu com o gravador! Espere aí! Que diabo de tom de baixa frequência você gravou? Não me diga que... - Beto estava começando a perceber as coisas, mas não chegou a terminar:

- É isso mesmo: a tuba do Epaminondas! Sabia que ele ensaiava depois do almoço, pelo menos meia hora na barbearia. Fui até lá com o gravador, e sem que ele percebesse, gravei parte do ensaio!

- Caramba! Começo a perceber. A modulação do tom da tuba mexeu com os sentimentos da elefanta e, atuando sobre o seu "subconsciente" fez com que ela se apaixonasse pelo som do instrumento! Quando Epaminondas tocou na banda ela reconheceu o som imediatamente, e não se conteve mais! - Beto chegou à raiz do problema.

- Gostaria que Freud estivesse aqui! - comentou o professor Ventura que estava quieto até então.

- Não sei se ia conseguir fazer com que a "paciente" se deitasse no divã! - concluiu, com bom humor, Beto. Mas, a coisa era séria e Cleto, se sentindo culpado, não riu.

Para Guiseppe Stromboli o problema precisava era de uma solução rápida:

- E agora! "Ma che disastro"! Temos de segurar a Carmela todas às vezes que o "Signore" Epaminondas tocar?

Realmente seria um problema, e foi!

Naquela noite novamente foi preciso muito esforço para segurar a elefanta quando a banda tocou no coreto.

Epaminondas estava muito preocupado!

Na verdade suava muito olhando constantemente para todos os lados, principalmente para a rua onde estava o circo, enquanto tocava.

Estava atento, para ver se "o maldito bicho não aparecia de novo atrás de sua tuba"!

No dia seguinte Beto e Cleto encontraram o diretor do circo ainda muito preocupado.

De fato, a elefanta estava abatida, agitada e parecia não mais querer obedecer ao treinador.

O pequeno aparelho "condicionador" era o único que produzia algum efeito no animal!

- Não podemos depender só do condicionador! Que bom que vieram! Precisam me ajudar a "curar" a Carmela! - o diretor do circo estava agitado.

Beto e Cleto se sentiram responsáveis pelo problema e concordaram em ajudar, mas como?

Não podiam impedir Epaminondas de tocar na Banda e, além disso, o circo ficaria na cidade pelo menos duas semanas!

Beto pensou por um bom tempo numa solução para o grave problema "sentimental" da elefanta, até que teve uma grande ideia:

- Já sei!

Cleto, que estava ao lado, mal podia esperar pela solução.

Beto passou a explicar, em pormenores, o que pretendia, e a ideia não deixava de ser muito interessante!

- Caramba! Um MP3 para elefante!

- Não! Um "MPfante"!

A ideia era simples:

Carmela se "apaixonou" pela música da tuba do Epaminondas e não podia ficar sem ela.

Por que não "adaptar" um MP3 comum a um fone "superdimensionado" e colocá-lo na elefanta com as músicas que tivessem tuba?

Consultaram o professor Ventura, que também achou interessante a ideia:

- Não custa experimentar!

Pegaram então um MP3 comum e prepararam um amplificador alimentado por pilhas maiores, excitando dois alto-falantes de 8 polegadas (20 cm).

Acolchoaram os dois alto-falantes e preparam uma presilha com o tamanho da cabeça da elefanta. Ficou parecendo um enorme fone de ouvido que se adaptava perfeitamente ao animal!

A gravação: uma trilha da "Gloriosa Corporação Musical de Brederópolis" com a participação especial de Epaminondas Portentoso e sua "potente tuba".

Um reforço especial nos graves, obtido de um circuito equalizador, garantia que o som da tuba aparecesse em destaque, e isso funcionou!

- Maravilhoso! Fantástico! É melhor que o controle remoto! - Exclamou contente Giuseppe Stromboli ao ver o aparelho em funcionamento no desfile do circo que anunciava o espetáculo inaugural.

Portando a "tira-colo" o MP3 e o amplificador, a elefanta marchava alegremente, acompanhando o ritmo da música.

Parecia dançar!

Na realidade, dançava! Sob o som da tuba do Epaminondas gravado em fita, com uns passos complicados que provocavam aplausos e risos das pessoas que paravam para vê-la passar, a elefanta parecia muito alegre e feliz!

- Nunca pensei que Epaminondas pudesse ter uma fã tão grande! - comentou rindo Beto.

- Grande em todos os sentidos! Só espero que não resolva pedir autógrafo ao Epaminondas! - completou Cleto.

- Pode estar certo que não! Só em pensar em ver a Carmela, o Epaminondas "se arrepia todo!" - o professor Ventura tinha razão quanto ao medo do músico.

- É verdade! Coitado do Epaminondas! Anda meio assustado com a presença da elefanta na cidade!

Foi nesse momento que ocorreu ao velho mestre a ideia de fazer uma brincadeira com o músico.

Beto e Cleto perceberam pela expressão diabólica do professor que ele estava tramando algo!

Beto cutucou Cleto que percebeu logo o que estava havendo.

Não interromperam o professor, pois sabiam que ele lhes contaria o que pretendia. Na verdade, não só ficaram sabendo da brincadeira como foram "convidados" a participar.

- Não é bem uma brincadeira, mas sim um "experimento científico"! - justificou o professor ao explicar a "diabrura eletrônica" que pretendia levar avante.

Indo ao circo, com o pretexto de ver a Carmela, Beto conseguiu induzir o animal a dar um "belo" urro que foi gravado num pendrive.

O professor Ventura ligou então o pendrive a um amplificador portátil, mas muito potente que colocou no coreto, logo atrás do lugar do Epaminondas, um pouco antes da banda se apresentar.

Os aparelhos eram ativados por um controle remoto.

Ninguém da banda se incomodou com a presença daquela caixa, pois era comum que aparelhagem de som ficasse no local para a reprodução de música, quando a banda não se apresentava, ou ainda, quando conjuntos musicais de jovens faziam seus shows.

- Vai ser interessante ver a reação do Epaminondas! - comentou o professor Ventura como controle remoto na mão.

A apresentação da banda começou normalmente, com Epaminondas tocando atento e com o olhar meio assustado, pois afinal, "ela" ainda estava na cidade e se escapasse!...Brrr!

"- Enquanto esse bicho estiver na cidade, não fico sossegado!" - pensava o músico com um “olho na partitura e outro na rua do circo", enquanto tocava!

No meio de uma marcha, o professor Ventura apertou o botão do controle remoto e imediatamente um forte urro de elefante foi reproduzido bem atrás do Epaminondas!

O susto foi tanto que ele arrepiou-se novamente soltando na tuba todo o ar que tinha no pulmão!

O resultado foi um segundo "urro" que, segundo as testemunhas, parecia de um elefante maior que o primeiro!

- Até que formariam um casal interessante! Tuba e elefanta! Pelo menos em matéria de som, combinam! - comentou algum "gozador" depois da confusão que se estabeleceu.

A banda parou, e todos assustados se levantaram procurando "o elefante":

- Onde está a elefanta?

- Cadê o "bicho"?

Mas não havia nada! E também não deu tempo, para contar isso ao tubista!

Epaminondas, meio sem fôlego, imediatamente após a nota "urrante" emitida através da tuba, se levantou e correu, não sem antes dar seu tradicional grito de terror:

- Uaiiii!

E novamente, sem olhar para trás, Epaminondas bateu o recorde do quilometro e meio que o separava de casa!

O professor Ventura, meio assustado, escondeu o controle remoto, arrependido da brincadeira que tinha dado resultados muito mais fortes do que esperava.

Encabulado tentando sair "de fininho", lembrando Pavlov, ele fez apenas um comentário curto sobre o fato, para Beto e Cleto, que estavam ao seu lado:

- Reflexo condicionado!...

 

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