Espíritos ou duendes tentando entrar em contacto com humanos? Extra-terrestres tentando um contacto com habitantes deste planeta? Ou, simplesmente um defeito de um equipamento transmissor? As estranhas transmissões de rádio captadas por Beto e Cleto e analisadas pelo Professor Ventura levam nossos heróis a uma aventura de "arrepiar os cabelos" e alguma confusão na pacata Brederópolis!

 

Beto e Cleto costumavam frequentar o laboratório do Professor Ventura, não raro ficando até altas horas da noite, embebidos num novo projeto ou simplesmente discutindo assuntos das tecnologias do momento, mecatrônica, informática, nanotecnologia ou somente a “velha” eletrônica.

 

Naquela noite isso também ocorreu, mas um imprevisto levou nossos heróis a mais uma aventura emocionante. Já passava das 9 horas da noite, quando Beto e o Professor Ventura trabalhavam na montagem de um novo painel de circuitos lógicos para utilizar nas aulas de mecatrônica. Cleto, que já tinha feito sua parte, se distraia um pouco "vasculhando" o espectro de RF com o "scanner" do Professor Ventura.

 

O "scanner" na verdade era uma das maiores atrações do laboratório, ou melhor do Professor Ventura. Ele havia adquirido o aparelho em uma viagem ao exterior. - Lá este tipo de equipamento é comum! Infelizmemnte, em nosso país tanto, pelo preço como pela dificuldade de importação, é de difícil acesso para as pessoas comuns.

 

O "scanner" é um receptor de rádio que, como o nome diz. "explora ou varre" o espectro de rádio, e quando encontra um sinal, ele o sintoniza, e se quisermos, ele "trava" na frequência, com indicação digital de qual ela é. O do Professor Ventura varria de 30 MHz a 900 MHz, quase que de forma contínua, o que permitia ouvir praticamente tudo que se passa no "éter".

 

De tanto brincar com o aparelho, Beto, Cleto e o Professor Ventura já conheciam a maioria das transmissões e frequências que podiam ser recebidas em Brederópolis: a delegacia, o posto rodoviário, o pequeno aeroporto, os radioamadores locais e das cidades próximas, algumas fazendas, telefones sem fio antigos, etc.

 

Se houvesse alguma transmissão "diferente" eles certamente a reconheceriam de imediato, mesmo porque o Professor mantinha um registro detalhado, ainda mais se o sinal captado tivesse algo que o diferenciasse de tudo que se conhece, e foi justamente o que ocorreu poucos minutos depois!

 

- Mas o que ‚ isso? - abrindo o volume, Cleto chamou a atenção para um estranho sinal que estava ouvindo: era um som irreconhecivel, algo como uma voz embaralhada, semelhante a que ocorre com os "scramblers", ou seja, dispositivos que embaralham a voz nos sistemas telefônicos sigilosos.

 

- Parece realmente um "scrambler", mas aqui em nossa cidade, ninguém tem este tipo de "coisa"! Quem poderia estar usando? - O Professor parou de trabalhar e passou a ouvir o estranho sinal.

 

- Para mim é um alemão tentando falar russo, com uma batata na bôca! - a opinião de Beto dava uma visão aproximada do que estava sendo reproduzido no pequeno alto-falante do "scanner".

 

- Qual é a frequência, Cleto?

 

- 42,625 MHz!

 

O Professor então estranhou mais ainda o que estava sendo captado.

 

- Esta frequência é usada por telefones sem fio, mas nos tipos que conheço não é assim que o sinal fica depois de embaralhado. Vocês sabem, muitos dos telefones sem fio mais modernos possuem "scramblers" de modo a garantir a privacidade. Na verdade, os tipos modernos são digitais.

 

- Realmente, muita gente que usa telefones sem fios comuns e até mesmo celulares analógicos, se esquece que estes aparelhos são transmissores e que portanto irradiam seus sinais para quem quiser captar. Já soube de muitos problemas criados por causa disso.

 

Cleto se lembrou de um caso ocorrido naquela mesma cidade há não muito tempo:

 

- Lembra-se do caso daquela dama da sociedade local que falava o que devia e que não devia em seu telefone sem fio à  beira da piscina, e por coincidência sua vizinha tinha também um telefone sem fio que operava na mesma frequência! Descobrindo acidentalmente isso, a "outra" começou a ouvir tudo que ela falava e na maioria das conversas eram opiniões não muito favoráveis sobre a "vizinha", ou seja, a que ouvia tudo?

 

- Se lembro! - confirmou Beto - O caso foi parar na polícia! Enquanto uma alegava insultos de todas as formas, a outra alegava invasão de privacidade!

 

O Professor Ventura foi quem completou:

 

- Gostei da opinião do juiz no final de tudo: se o sinal do telefone do meu vizinho é irradiado e entra sem minha permissão em minha casa e eu o capto, posso fazer o que quiser com ele! Ficaria caracterizada invasão de privacidade se eu fosse buscar o sinal na casa do vizinho, instalando algum tipo de dispositivo de interceptação, por exemplo, na linha telefônica... Que fique isso como alerta para os que falam o que querem, e sem cuidados, nos telefones sem fio e celulares... Sempre existe a possibilidade de alguém estar ouvindo!

 

Mas, o estranho sinal ainda continuava a preocupar os três: era forte demais para vir de um telefone sem fio e não se caracterizava um diálogo onde temos alguém falando de um lado com interrupções para que alguém fale do outro.

 

Era uma transmissão diferente!

 

Mesmo trocando idéias, eles tiveram tempo de acionar o pequeno gravador de fitas, do tipo antigo, que sempre estava a disposição no laboratório e gravar uma boa parte do estranho sinal. Pouco tempo depois, sem qualquer tipo de aviso, a estranha transmissão desapareceu.

 

- Estou curioso para saber o que é isso. Merece uma investigação, não é verdade? - O Professor deu uma piscada para os rapazes.

 

De fato, as últimas semanas tinham sido monótonas, tanto em termos de projetos como de "encrencas" em que eles sempre se metiam, e ali estava a oportunidade de se distrair.

 

- Podemos imaginar que se trata de um "caça a raposa", com a diferença de que temos de descobrir também o conteúdo da mensagem! - Beto até imaginou uma espécie de jogo, mas o que ele não sabia é que aquela estranha transmissão tinha um conteúdo muito mais importante do que uma simples brincadeira...

 

No dia seguinte, Beto e Cleto foram ao laboratório do Professor Ventura, entusiasmados com o desafio de descobrir a origem da estranha transmissão. O primeiro passo para descobrir do que se tratava foi verificar se a transmissão ocorria com frequência. Assim, fixando o scanner naquela frequência, eles aproveitaram o circuito de "squelch" para acionar o gravador que então gravaria qualquer sinal em qualquer hora do dia ou da noite.

 

O "squelch", ou silenciador, é um recurso que a maioria dos receptores de telecomunicações possui; ele simplesmente desliga o setor de áudio, cortando o chiado desagradável entre estações quando nenhum sinal está sendo recebido.

 

Um outro recurso interessante foi agregado ao sistema de "vigilância eletromagnética", como eles o chamaram. Cleto tinha um relógio eletrônico que falava as horas sempre que se pressionava um botão.

 

O relógio falante inicialmente foi uma curiosidade, mas depois que passou o entusiasmo pelo seu comportamento, ele o havia transformado num "acessório" dos recursos eletrônicos especiais do laboratório. Ele conectou o botão a um relé, e jogou a saída de áudio a um pequeno amplificador que tanto poderia ser usado para excitar um alto-falante como um circuito externo.

 

Uma das aplicações que deram então ao circuito foi demonstrá-lo numa feira de ciências: o relé estava na saída de um vox, ou seja, um circuito acionado pela voz ou por sons.

 

Era muito interessante ver o ar de espanto das pessoas que ao bater palmas ou estalar os dedos diante do "stand" da Escola Técnica ouviam como resposta a hora certa! Até o "preboste" Saturnino Bolsogrande que visitava a feira se impressionou com a engenhosidade do Professor Ventura e sugeriu:

 

- Vou propor a instalação de um "negócio" destes na praça!

 

(Para os que não sabem o título de preboste era o título atribuído ao prefeito local – Veja a primeira aventura do Prof. Ventura neste site)

 

Um assessor imediatamente anotou numa agenda.

 

Mas, no caso das transmissões estranhas, o que eles fizeram foi ligar ao relé o circuito de monitoria do scanner, e a saida a um pequeno mixer que juntava o sinal de áudio do relógio com o sinal de áudio do receptor. Um timer intermediário no relé do relógio, permitia que ele ficasse acionado apenas pelo tempo necessário ao aviso da hora uma vez. Isso significava que, ao "entrar" qualquer sinal no scanner, o gravador era acionado, e no mesmo instante era gravado um pequeno bip com a hora em que isso ocorreu.

 

- Esta pronto o sistema de vigilância. - comentou Beto. - Agora, enquanto ele faz seu serviço por um ou dois dias vamos analisar o conteúdo da gravação de ontem!

 

O conteúdo da fita de alguns minutos de duração era estranho.

 

Primeiro ligaram a saída do gravador a um osciloscópio para analisar o padrão geral do sinal, já que, como havia uma constante variação de frequência e amplitude, não era possível falar em forma de onda.

 

Nada de diferente que pudesse revelar uma codificação, mas também não era um "ruido" em que não existe um padrão definido: um pulso digital, um tom que se repetisse, ou coisa parecida. Depois, passaram a fita em diversas velocidades, pois poderia ter sido uma transmissão "acelerada". Quando o Professor Ventura falou nesta possibilidade, Cleto não entendeu muito bem. O Professor explicou:

 

- Em espionagem é bem conhecida esta técnica de transmissão.

 

O agente secreto grava a mensagem numa fita em velocidade normal, e depois com um gravador especial ligado a um transmissor, passa a fita numa velocidade muito maior.

Desta forma, não só quem ouve não entende nada, como o tempo de transmissão é reduzido, diminuindo assim a possibilidade do transmissor ser localizado. Uma mensagem de 1 minuto, por exemplo, pode ser transmitida em 10 segundos!

 

- E, depois, para recuperar a mensagem, basta gravá-la num gravador acelerado e passar a fita em velocidade normal. Certo? - Beto tinha entendido bem como "funcionava" a coisa.

 

Mas aquela fita era um mistério.

 

No dia seguinte, verificando se havia alguma coisa no gravador, os três deram com uma transmissão idêntica, e exatamente, no mesmo horário do dia anterior! Esperando chegar o mesmo horário, eles verificavam que a transmissão dos sons estranhos ocorria sempre depois das 9, na mesma frequência e tinha aproximadamente a mesma duração!

 

- O próximo passo ‚ saber de onde vem este sinal, já que ainda não conseguimos decifrar seu conteúdo! - Dito isso, o Professor foi até seu armário de equipamentos e voltou com uma antena direcional para o scanner.

 

- Isso vai ajudar e muito!

 

Pouco antes das 9 horas, quando deveria haver a recepção do sinal, Beto e Cleto já  estavam preparados com o scanner e a antena direcional. O carro do Professor Ventura estava pronto para seguir o sinal, viesse de onde viesse. Os três esperavam ansiosamente.

 

Exatamente no horário previsto, começaram as estranhas transmissões: sons inintelegíveis, sem qualquer interrupção que caracterizasse um diálogo ou conversa telefônica, mas que lembravam alguém falando... Imediatamente o Professor Ventura entrou no carro, dando a partida. Beto e Cleto se acomodaram com o receptor e o scanner e movimentando a antena imediatamente encontraram a direção de onde o sinal vinha.

 

Saindo com o veículo e, com cuidado para não perder o sinal, eles percorreram diversas ruas da cidade até chegar na longa subida que passava diante do cemitério e descendo pelo outro lado da colina terminava na Vila Nova, um bairro mais afastado do centro.

 

- Cemitério!... Essa não! Será que são sinais do outro mundo? - Cleto não gostou da idéia de seguir em direção ao cemitério, principalmente naquela hora da noite.

 

- Não vamos em frente, não é verdade?

 

- Ora, seu medroso! Nada indica que o sinal venha "do" cemitério, mas sim "de sua direção"! Pode vir de algum lugar "por trás" ou mesmo "além" do cemitério, do outro lado do morro por exemplo, na Vila Nova!

 

- É, mas pode vir do outro lado do próprio cemitério ou do próprio "além" e para saber teremos de atravessá-lo!

 

- Gulp! - engoliram em sêco os dois rapazes.

 

Subindo a ladeira, entretanto, o sinal foi ficando cada vez mais forte.

 

Mas, o que assustou os três foi o ponto de máximo, que ocorreu justamente quando eles passaram diante do portão do cemitério, com a antena voltada para êle! O Professor parou o carro!

 

Beto e o Professor Ventura olharam para Cleto e não disseram nada. Depois de algum tempo foi o Professor quem falou:

 

- Muito bem! Quem vai descer e explorar o sinal lá dentro?

 

- Eu não!

 

- Muito menos eu!

 

O Professor não se conformou, e descendo do carro, observou atentamente o interior do cemitério, procurando algo diferente. Em seguida voltou e dando a partida no carro para voltar, resmungou:

 

- Seus covardes!...

 

Beto e Cleto não falaram nada.

 

De volta ao laboratório, Beto resolveu tirar "satisfações" do Professor:

 

- Se somos covardes, por que o Senhor não entrou no cemitério sozinho quando desceu do carro?

 

O Professor Ventura engoliu em sêco, procurando disfarçar um pouco seu temor, mas teve uma boa saída para a situação embaraçosa:

 

- Não entrei porque estava sem equipamento apropriado. Voltei para que possamos nos preparar melhor. Amanhã vamos todos nós: com lanternas, botas, e tudo mais que uma "exploração" num ambiente adverso exige!...

 

- Incluindo um crucifixo para espantar vampiros e um spray anti-fantasmas! - brincou Beto.

 

Cleto, mais medroso, procurou rir, mas estava, na realidade, apavorado com idéia de "invadir" o cemitério na noite seguinte, mesmo sendo apenas para ir atrás de um sinal de rádio!

 

Na noite seguinte, pouco antes das nove, todos estavam preparados para seguir o sinal, mas desta vez de forma um pouco diferente. Os três pareciam que íam a uma caçada na África de tantos equipamentos. Afinal, "invadir" um cemitério à noite era tarefa para Indiana Jones nenhum "botar" defeito, e eles eram simples "mortais": precisavam estar equipados de forma apropriada!

 

No horário previsto as transmissões começaram, e os três já estavam no veículo com o motor aquecido. Desta vez não foi preciso rodear muito para chegar até perto do cemitério onde o sinal novamente era mais forte. Beto comentou ao descer:

 

- Vamos a pé! O barulho do carro pode alertar os que operam o transmissor!

 

- Chegou a hora da "onça beber água"! - foi a frase de Cleto, que indicava algum receio.

 

- Vamos lá! - ordenou o Professor Ventura, já com os equipamentos nas costas. Beto segurava o scanner com volume reduzido, enquanto que Cleto manejava a antena.

 

Beto avançou, mas Cleto relutou, dando sinais de receio.

 

- O que há, está  com medo? - perguntou Beto ao amigo.

 

- Eu não! São apenas minhas pernas que estão querendo voltar para casa!...

 

Cleto não achou muita graça, da "piadinha" naquele momento inoportuno.

 

- Vamos de uma vez! - insistiu o Professor. Os três avançaram cautelosamente...

 

Abrindo com um rangido ameaçador o pesado portão do cemitério, que nunca ficava trancado por ordem de Saturnino Bolsogrande, o prefeito, (afinal, falava ele, quem está  dentro não pode sair e quem está fora não vai querer entrar!...) os três entraram.

 

Havia lua, mas algumas nuvens negras tampavam a sua luz, deixando o lugar mais escuro ainda. Ao longe algumas nuvens eram iluminadas por relâmpagos, de uma tempestade não muito distante, tornando o ambiente ainda mais ameaçador. Que os três estavam com mêdo não havia dúvida, só que procuravam não demonstrar isso!

 

Beto, para maior segurança, abaixou bem o volume do "scanner" e colocou-o junto ao ouvido. Baxinho ele orientava o amigo para onde deveriam ir, em função das intensidades do sinal.

 

- Para lá, mas com cuidado! Isso, está ficando mais forte!

 

Avançando com muita cautela, tropeçando em alguns túmulos e pedras soltas, o sinal foi ficando mais forte, até que o Professor Ventura deu uma parada brusca e recomendou silêncio:

 

- Ouçam! Não estão ouvindo alguma coisa vindo dali! - e apontou para a direção de um grande túmulo em forma de capela.

 

Parecia que vinha uma luz fraca de seu interior e a portinhola estava aberta. Cleto começou a tremer. Beto, baixinho comentou:

 

- Não estou ouvindo nada e nem vendo, está com medo do quê?

 

Cleto ainda teve tempo de fazer piadas:

 

- Meu amigo, se tivesse visto alguma coisa estaria muito bom! Num lugar como este, tenho medo é do que não vejo e do que não ouço!...

 

- Psst! Ouçam... - Fazendo sinal com as mãos, que logo os dois rapazes entenderam, o Professor Ventura se abaixou. Beto e Cleto também.

 

Do local apontado pelo prefessor vinha realmente uma luz difusa e, prestando atenção em silêncio, eles puderam ouvir um certo barulho.

 

- Que barulho é esse? - perguntou assustado Cleto.

 

- Deve ser seu coração batendo de medo! - comentou Beto.

 

O Professor interferiu:

 

- Silêncio! Vamos chegar mais perto!

 

Com muito cuidado, apagando a lanterna, e já com o scanner desligado eles se aproximaram do local e o que viram foi interessante; não eram fantasmas, nem caveiras, mas gente bem "viva". Dois vultos sairam do túmulo, um carregando uma caixa e o outro uma lanterna. Depois de fechar cuidadosamente a porta do túmulo, os dois seguiram em direção a uma abertura na parede do cemitério por onde desapareceram.

 

Alguns segundos depois disso, o Professor Ventura, Beto e Cleto puderam ouvir o ruído partida de um carro que se afastou rapidamente. Havia uma trilha por trás do cemitério que dava na rodovia. O sinal já tinha desaparecido completamente quando isso ocorreu.

 

- Ora, vejam só! Isso está me cheirando mal! - comentou o Professor Ventura.

 

- Se está! - complementou Beto - Vamos ver isso de perto!

 

Se bem que Cleto não gostasse da idéia, os três se aproximaram com cuidado da porta do túmulo.

 

- Está trancada! Precisamos abrir!

 

O professor abriu então sua maleta de utilidades e tirando um "grampo" forçou o cadeado que num estálo se abriu. Abrindo a porta ele ordenou:

 

- Vamos entrar!

 

- Tá  louco! - protestou Cleto, tremendo.

 

- Está bem, então você fica vigiando aqui fora e eu entro com o Professor!...

 

A idéia de ficar sozinho lá fora, e no escuro era pior do que entrar! Cleto nem deixou o amigo terminar:

 

- Não! Eu vou junto!

 

Vagarosamente, e com muito cuidado, os três penetraram no tenebroso túmulo!

Era uma saleta, na verdade uma capela, e havia no fundo uma portinhola em que certamente estariam os compartimentos com os caixões e diante da qual os três pararam...

 

- Abra! - ordenou o Professor Ventura.

 

- Nem morto! - protestou mais uma vez Cleto, tremendo mais do que vara verde.

 

- Está bem! - Beto, mais corajoso, mas ainda receoso, foi até a porta e com muito cuidado abriu. Iluminando o interior com o farolete os três tiveram uma enorme surpresa!

 

Não, não era nenhum fantasma, múmia ou outra "coisa do outro mundo", mas sim várias caixas muito bem embaladas com dizeres em inglês e alguma língua oriental no canto uma mesinha com um rádio transmissor! Do transmissor eles podiam ver o fio que saia por uma abertura, e certamente levaria até uma antena escondida em algum lugar!

 

No canto havia uma bateria de 12V do tipo usado em carro, e que certamente servia para alimentar o aparelho. Certamente, todas às vezes que ela se descarregava os responsáveis por tudo aquilo a substituiam por outra carregada!...

 

- Que diabo são esses pacotes?

 

O Professor Ventura examinou então com muito cuidado um deles e descobriu:

 

- Componentes eletrônicos! "Chips" de computadores, memórias, CPUs, micro-controladores, placas de desenvolvimento!...

 

- Isso é uma mina de ouro!

 

Para quem está na eletrônica "até os ossos" como eles, certamente era uma mina de ouro.

 

- Não! Contrabando! - exclamou o Professor Ventura. Vamos sair daqui e avisar a polícia, pois podemos pegar todos eles!

 

Os três sairam rapidamente do compartimento e pretendiam se afastar rapidamente do local, mesmo porque os indivíduos que viram sair do túmulo, podiam voltar a qualquer momento. No entanto, foi nesse momento que, com um ruído assustador, um caixote (que pela aparência parecia mais um esquife) que estava mal posicionado naquele local ao ser tocado por Cleto, despencou e um esqueleto praticamente "abraçou" o rapaz!

 

Era um esqueleto de plástico fluorescente, em tamanho "natural", que um dos contrabandistas havia trazido "para espantar intrusos", mas acabou não sendo usado, pois certamente serviria mais é para chamar a atenção!

 

O rapaz, apavorado, saiu correndo e gritando em direção ao carro ainda com o "esqueleto" pendurado, pois enganchou-se em sua roupa, e ao sair do cemitério "na velocidade", um problema ainda maior:

 

Voltando de mais uma apresentação da banda que tocava no coreto até as 10 horas, eis que caminhava tranquilamente, mas não sem medo, principalmente ao passar pelo cemitério, Epaminondas Portentoso com sua reluzente tuba! Era o ponto em que ele deixava de assobiar as marchas de Sousa, apressava os passos e receoso, se agarrava fortemente em seu instrumento! Que tipo de proteção uma tuba poderia lhe dar, não sabemos, mas este gesto servia como uma espécie de "apôio psicológico".

 

Epaminondas morava na Vila Nova e queria chegar rapidamente em sua casa, mesmo porque ameaçava chuva! Já se ouviam alguns trovões ao longe. Passando pelo portão apavorado, Cleto tinha uma probabilidade mínima de trombar com alguém naquele horário, e principalmente com uma tuba, mas como segundo a lei de Murphy se alguma coisa de errado pode acontecer, acontece... Cleto trombou justamente com Epaminondas que deu um grito apavorado!

 

- Uaiii!...

 

Evidentemente, diante da surpresa, Cleto também deu seu grito apavorado:

 

- Uaiiii!...

 

Não sabemos se o que apavorou Epaminondas foi a cara de pavor de Cleto ou o esqueleto que no impacto se soltou e "agarrou" a tuba o músico, ficando preso no reluzente instrumento! Nese momento, Epaminondas ainda ficou estupefato com o atrevimento daquela "criatura sem carnes" que tentava lhe arrebatar justamente sua preciosa tuba! Por um instante ficou em dúvida se largava a tuba e corria, ou "tomava satisfações" da esquálida "assombração" no sentido de recuperar seu precioso instrumento que estava sendo agarrado por uma... "alma do outro mundo"!

 

No entanto, na situação insólita o baixinho e gorducho músico fez os dois: não abriu mão da preciosa tuba e também correu! E como correu!... Seria muito difícil descrever a cara de pavor do Epaminondas descendo a ladeira segurando fortemente a tuba, e agarrada à tuba, balançando todos os ossos, e estalando como uma castanhola, a caveira fluorescente!

 

O fato é que, quando Beto e o Professor Ventura chegaram no portão, Cleto corria longe descendo a ladeira em direção à cidade e o coitado do Epaminondas com sua tuba e a caveira agarrada fazia a curva da ladeira em na direção oposta rumo à Vila Nova, num desespero total!...

 

- Vamos precisar ir à polícia amanhã logo cedo, pois certamente o Epaminondas vai colocar a "boca no trambone"!... - comentou o Professor entrando no carro.

 

- Na tuba! O senhor quer dizer!

 

- E ele tem motivos para saber que somos nós! Meu carro estava bem visível aí perto! Isso sem falar no coitado do Cleto! - completou o Professor.

 

Beto foi então para a casa de Cleto, encontrando o amigo ainda meio apavorado e ofegante.

 

- Tudo bem?

 

- Sim! Só um "pequeno susto". - comentou Cleto

 

- Pequeno? Se você corresse sempre assim, nossa escola ganharia medalha de ouro em todos os jogos colegiais!

 

- Esta bem! Eu estava tenso, e aquele "negócio" me assustou!

 

Cleto que não quis pronunciar a palavra "caveira" pois alguém em sua casa poderia descobrir onde ele estivera!

 

- Era de plástico fluorescente, você não viu como brilhava no escuro?

 

- Era mesmo? E só agora você me diz!...

 

- Eu disse na hora, mas você já estava a uns cinco quilometros de distância! Não dava mais para ouvir!

 

Mais calmo, Cleto mudou de assunto e resolveu comentar a descoberta:

 

- Puxa! Se conseguirmos decifrar aquelas gravações podemos descobrir muita coisa interessante!

 

- Espere aí! - disse Beto, num estalo - Você experimentou passar aquela fita de "trás para a frente" mas devagar?

 

- Não? Por quê?

 

- Isso foi a única coisa que não fizemos, e vai ser a primeira coisa que faremos amanhã cedo! Tenho um palpite que descobri um jeito de saber o conteúdo daquela gravação.

Beto estava certo!

 

Na manhã seguinte, bem cedo, Beto e Cleto estava na porta da casa do Professor Ventura, que já se preparava para sair para a delegacia. Beto explicou rapidamente sua idéia de passar a fita "ao contrário".

 

- Puxa, pode ser isso! - comentou o Professor - Vamos ver já!

 

No laboratório o que eles fizeram foi simples, como o gravador era do tipo antigo "de rolo", eles trocaram de posição os rolos de fita magnética e os passaram com velocidade alterada e o que se ouviu foi muito interessante:

 

- ... e na próxima remessa mande mais memórias de 1 giga, e processadores de 2.7 Giga que tenho um cliente que precisa deles! Mande pelo menos 1 000 de cada... - e a conversa clara indicava contacto com um fornecedor em algum lugar, "do outro lado da fonteira"...

 

- Vamos levar esta fita … delegacia! O Delegado vai gostar de ouvir isso!

 

Na delegacia o Delegado, Dr. Marins, que conhecia muito bem o profesosor, pois seu filho era também aluno da Escola Técnica e até já havia pedido ajuda em "problemas ténicos" anteriores, o recebeu muito bem, na verdade melhor do que devia:

 

- Olá, Professor, como foi o passeio de ontem à noite?

 

O Professor engoliu em sêco juntamente com Beto e Cleto e pensou consigo mesmo:

 

" - Diabo! O Epaminondas já esteve aqui e o Delegado sabe de tudo!"

 

- Está  bem, viemos aqui para contar tudo que ocorreu ontem à noite! Temos uma ótima explicação para tudo, e mais que isso, coisas que o senhor deve saber!

 

O Delegado, meio sarcástico mandou-os sentar e comentou:

 

- Temos certeza que sim, Professor Ventura! Temos certeza!...

 

O Professor contou tudo que havia ocorrido, da captação do sinal estranho, da investigação que os levou ao cemitério, o que viram no túmulo, a caveira presa em Cleto e o "encontrão" com o Epaminondas! Finalmente mostraram as gravações, que incluiam contactos de "encomendas" de diversos dias.

 

- E a quadrilha dos "eletrônicos"! - exclamou o Delegado surpreso - Já tínhamos sido alertados que havia uma rota de contrabando por aqui, mas nunca ninguém descobriu nada! Acho que, com a ajuda de vocês "pegamos" os "danados"!

 

- Pegamos não! Podemos pegar! - alertou o investigador Sampaio que estava do lado!

 

- Vamos pegar! - foi mais adiante o Delegado que, levantando-se convidou todos a acompanhá-lo.

 

O grupo foi então até o cemitério, onde o Professor, Beto e Cleto deveriam mostrar ao Delegado o local do "túmulo" usado como esconderijo!

 

- Então é por aqui que vocês andam "passeando" altas horas da noite! -brincou o Delegado, enquanto o investigador abria cuidadosamente a porta do túmulo.

 

O Delegado e o investigador examinaram tudo atentamente. Resolveram então preparar uma "armadilha" para pegar os contrabandistas naquela noite.

 

- Então eles transmitem todos os dias no mesmo horário! Podemos pegá-los direitinho! - comentou o Delegado.

 

O Professor confirmou:

 

- Sim, isso mesmo!

 

- Mas, diga-me Professor, como ‚ que eles faziam a tal "codificação" da mensagem para que ninguém entendesse o que conversavam?

 

O Professor, agora mais à vontade explicou:

 

- Eles gravavam previamente a mensagem numa fita e depois para transmitir, usavam um gravador que a rodava "ao contrário" e em velocidade elevada, o que permitia "contrair" o tempo de transmissão e ainda obter um som inintelegível se alguém interceptasse.

 

- Engenhoso! - comentou o Delegado, que gostava de coisas técnicas, principalmente quando ligadas "ao crime"! - Continue!

 

- Pois bem, no local da recepção bastava gravar os sons que se tornavam imcompreensíveis e depois passar a fita "ao contrário", mas em velocidade menor. Foi o que fizemos e a mensagem se tornou clara!

 

- Vocês são espertos demais! Como suspeitaram que era este o tipo de "codificação" usada?

 

Tentando valorizar o trabalho do grupo, o Professor concluiu:

 

- Para "experts" como nós, a análise do sinal revelou isso facilmente!

 

O Delegado, agradeceu e disse que voltaria com novas informações sobre os bandidos.

 

De fato, no dia seguinte, a movimentação em Brederópolis foi acima do normal, principalmente na porta da delegacia onde diversas viaturas vindas de cidades vizinhas traziam "reforço policial".

 

Uma viatura de polícia federal, chamava a atenção, pois era de sua competência os problemas de contrabando.

 

À noite ninguém soube de nada, mas as poucas pessoas que pretendiam passar diante do cemitério foram cordialmente convidadas a mudar de trajeto, por alguns policiais sem farda colocados em pontos estratégicos. No dia seguinte a cidade toda ficou sabendo do que houve, e mais ainda o Professor Ventura, Beto e Cleto que foram chamados à delegacia:

 

- Pegamos os contrabandistas! Com suas informações cercamos o grupo da tumba e a partir dele pretendemos chegar aos demais! Eles usavam a tumba como ponto de transferência de mercadorias e contactos! O transmissor fixo facilitava as encomendas, já  que eles não carregavam equipamento suspeito e nem transmitiam de local facilmente localizável!

 

- Puxa! Não contavam com nossa habilidade! - comentou orgulhoso o Professor Ventura.

 

- Habilidade demais, sem dúvida! - comentou o Delegado.

 

O Professor, Beto e Cleto já iam sair, quando o Delegado os impediu:

 

- Esperem aí! A "coisa" não terminou para vocês!

 

Preocupados, os três se olharam e logo pensaram que haveriam de levar uma bela "bronca" pelo "passeio" no cemitério, mas não era bem isso:

 

- Vocês devem uma indenização a uma pessoa "prejudicada" nesse negócio!...

 

- Prejudicada? - o Professor não sabia do que se tratava.

 

- Sim, vocês devem duas "portas" novas!

 

O Professor coçou o queixo e disse:

 

- Mas que portas? Não quebramos a porta do túmulo nem o portão do cemitério!

 

Beto, sem se desligar da eletrônica, ainda pensou na possibilidade de ter "danificado" algumas "portas" lógicas de circuitos integrados ou de computadores, quando mexeram na mercadoria escondida no túmulo:

 

- Serial ou paralela? - ainda perguntou o rapaz meio confuso.

 

- Nada disso! Não sei o que é isso, mas explico!

 

O Delegado deu então a informação completa:

 

- Vocês não quebraram nada! O Epaminondas...

 

O Professor colocou então a mão na cabeça em sinal de esquecimento e disse:

 

- Puxa! Esqueci completamente do "coitado"! Vamos imediatamente pedir desculpas pelo susto!

 

O Delegado novamente insistiu:

 

- Desculpas não, duas portas?

 

- ?

 

Para que os leitores tenham uma idéia melhor do que o Delegado estava querendo dizer é interessante voltarmos um pouco no tempo, e descrever o que ocorreu com o "pobre" músico e sua tuba a partir do momento em que a caveira se enroscou em sua tuba:

 

O Epaminondas estava tão apavorado com a caveira enroscada na sua tuba que entrou na sua casa sem abrir a porta, simplesmente "atravessou-a" e, da mesma forma, foi em direção ao quarto onde novamente sem abrir a porta, atravessando-a, ele "mergulhou" debaixo da cama.

 

Dona Pafúncia, diante do barulho e da confusão se "armou" com uma vassoura e foi ao local!

 

Depois de três vassouradas na caveira, duas na tuba e uma na cabeça do Epaminondas, ela conseguiu "dominar" a situação! Mesmo tomando alguns calmantes, o coitado ainda não conseguiu dormir e no dia seguinte, bem cedo, foi à delegacia onde, mais amarelo que sua tuba, contou uma estória "confusa" de um rapaz que parecia ser Cleto, fugindo desesperado de um esqueleto "flamejante". A caveira, entretanto, em lugar de agarrar o rapaz, havia optado por sua tuba.

 

Diante do fato, ele nunca abandonaria sua fiel tuba, e então correu!... Essa foi a "estória" que o delegado contou também ao Professor. O Professor Ventura, Beto e Cleto que não conseguiram esconder uma ponta de riso.

 

Foi o Professor que falou agora:

 

- Está bem! Está bem! Vamos à casa do Epaminondas contar-lhe toda história e vamos "pagar" duas portas novas!

 

- Mas e a caveira? - perguntou, interessado, Beto.

 

Levantando o estranho objeto que estava por trás da mesa, o Delegado apresentou-a triunfante aos três.

 

- Está aqui!

 

Pedindo desculpas o Professor perguntou então:

 

- O que o Senhor pretende fazer com ela?

 

O Delegado, olhando fixamente para os "olhos" da esquálida criatura respondeu pensativo:

 

- Não tenho nada em mente!...

 

O Professor Ventura então sugeriu que ela fosse doada ao departamento de anatomia da Escola Técnica, pois poderia servir para estudos, mesmo sendo artificial.

 

O Delegado, entregando o objeto ao Professor, estabeleceu uma condição para isso:

 

- Sim, pode ser, mas com uma condição: que o senhor não pense em levá-la para passear no cemitério, principalmente à noite e ainda mais no horário que o Epaminondas volta das apresentações!

 

Todos riram...

 

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