Nesta época em que ondas de calor afetam o mundo e também nosso país com a procura de meios que possam aliviá-lo crescendo, tais como ventiladores e condicionadores de ar, alternativas de tecnologia mais avançada certamente são bem vindas. Uma tecnologia que está melhorando dia a dia com componentes mais baratos e eficiente é a do chip do frio chip de efeito Peltier de que trataremos neste artigo.

Imaginem um chip em que passando uma corrente elétrica ele tira calor de um local e o transfira para outro deixando esse local frio ou refrescado. Sim, ele existe e pode ser comprado pela internet, mas ainda é para pequenos ambientes tais como refrigeradores de carro, de remédios ou órgãos para transplante portáteis. Mas, é uma tecnologia interessante que o leitor deve conhecer.

Estes chips estão cada vez mais acessíveis e nada impede que o leitor crie seu ar-condicionado pessoal usando uma certa quantidade deles. Mas, para isso é preciso saber como ele funciona.

 

 

Eletricidade x Calor

 

A produção de calor pela passagem da corrente elétrica é fenômeno bem conhecido de todos que trabalham com eletrônica. Na verdade, é uma fonte de preocupações, pois este calor, se não for convenientemente dissipado, pode causar danos aos componentes. No entanto, é possível fazer com que a passagem da corrente por um dispositivo produza frio e isso nos leva a aplicações extremamente interessantes.

 

O chip refrigerador ou dispositivo de efeito Peltier já pode ser adquirido no mercado especializado e é encontrado em algumas aplicações muito importantes como nos carros, alguns dos quais já possuem sistemas de ar-condicionado e refrigeradores usando esta tecnologia (figura 1)

 

 

Figura 1 – Um chip “gerador” de frio (Efeito Peltier)
Figura 1 – Um chip “gerador” de frio (Efeito Peltier)

 

 

O meio mais conhecido para produzir frio é bombeando" o calor (que consiste numa forma de energia) de um local para outro. A retirada do calor de um local faz com que a temperatura abaixe.

Utilizamos então uma "bomba térmica" que, conforme observamos na figura 2 retira calor do ambiente que desejamos refrigerar, levando-o para outro local onde ele será dissipado.

 

Figura 2 – O calor pode ser bombeado de um local para outro
Figura 2 – O calor pode ser bombeado de um local para outro | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Este é o princípio de funcionamento das geladeiras, sistemas de ar-condicionado, freezers, etc. Neles, temos um sistema mecânico em que a retirada do calor de um ambiente se faz quando um gás se expande (a expansão de um gás numa serpentina faz com que ele absorva calor e, portanto, resfrie o ambiente).

 

O calor absorvido é transferido ao meio ambiente por outro conjunto de serpentina quando este gás volta a ser comprimido por um compressor, veja a figura 3.

 

Figura 3 – Funcionamento de um refrigerador comum
Figura 3 – Funcionamento de um refrigerador comum

 

 

Evidentemente, este sistema mecânico que envolve compressão e expansão de um gás não é muito prático pelo número de peças que utiliza, se bem que seja bastante eficiente e funcional. Basta ver as nossas geladeiras e sistemas de ar-condicionado para comprovar isso.

 

Quando falamos em eficiência devemos lembrar que movimentar calor não é fácil. Gasta muito energia. Veja os seus eletrodomésticos que produzem calor ou que movimentam calor.

 

No entanto, utilizando dispositivos totalmente eletrônicos e sem peças móveis ou o uso de gases, é possível montar uma bomba térmica que funcione exatamente da mesma forma que o sistema descrito. Este dispositivo pode "bombear” calor de um lugar para outro. Analisemos seu funcionamento.

 

 

PARES TERMOELÉTRICOS

 

Um dispositivo sensor bastante conhecido há muito tempo e usado na medida de temperaturas é o par termoelétrico que é apresentado na figura 4.

 

Figura 4 – O par termoelétrico ou termopar
Figura 4 – O par termoelétrico ou termopar

 

 

Dois metais diferentes, normalmente cobre e constantan formam uma junção, quando um dos lados é mantido frio e o outro é aquecido, aparece uma pequena tensão elétrica entre eles.

 

Como esta tensão é proporcional à diferença de temperatura entre os dois lados, podemos usar seu valor para a medida desta temperatura e com boa precisão. Este tipo de sensor é usado para medir a temperatura de fornos, estufas e outros dispositivos.

 

 

O EFEITO INVERSO

 

O interessante do efeito termoelétrico descrito, entretanto, é que ele é reversivo. Se forçarmos a circulação de uma corrente pelo dispositivo indicado, conforme a figura 5, o movimento dos portadores de carga pelo material faz com que eles transportem calor de uma face para outra.

 

 

   Figura 5 – Gerando “frio” com uma corrente
Figura 5 – Gerando “frio” com uma corrente

 

 

O resultado disso é que uma das faces do dispositivo esfria e a outra esquenta. O calor pode então ser "bombeado" de uma face para a outra, obtendo-se assim o mesmo efeito da bomba térmica com compressor e gases, mas sem usar qualquer peça móvel.

 

É claro que o efeito descrito para um par termoelétrico pequeno usado na medida de temperatura é pequeno. Se quisermos ter uma boa refrigeração de uma das faces que possibilite a retirada de calor de um ambiente maior, é preciso ter um dispositivo que aproveite este efeito, mas que seja maior.

 

 

 

REFRIGERADORES TERMOELÉTRICOS

 

 

Na figura 6 temos a vista em corte de um refrigerador termoelétrico comum que pode ser encontrado em diversas aplicações práticas.

 

 

Figura 6 – Vista em corte de um dispositivo de efeito Peltier
Figura 6 – Vista em corte de um dispositivo de efeito Peltier

 

 

Temos então uma placa de metal que funciona como absorvedor de calor do ambiente e que está em contato térmico com dois pedaços de materiais semicondutores do tipo N e tipo P. Estes materiais são feitos de Telureto de Bismuto que apresenta propriedades elétricas e térmicas mais apropriadas para este tipo de aplicação.

 

Do outro lado dos materiais semicondutores, temos outra placa de metal que funciona como dissipador do calor absorvido. Esta placa também está em contato térmico como sistema, porém isolada eletricamente.

 

Quando uma corrente elétrica intensa circula pelo circuito no sentido indicado na mesma figura, os portadores de carga que se movem pelo material semicondutor "carregam" junto a energia térmica, que é absorvida de uma das placas e levada para a outra. O resultado disso é que a placa de cima esfria, chegando a uma temperatura de até 30 graus Celsius abaixo de zero, enquanto a placa de baixo aquece, dissipando o calor para o meio ambiente. O aumento da eficiência deste dispositivo é conseguido com sua associação em módulos, figura 7.

 

   Figura 7 – Maior eficiência com o uso de módulos
Figura 7 – Maior eficiência com o uso de módulos

 

 

Diversas células formadas por pares de semicondutores P e N são ligadas em série de modo a ser obtido um dispositivo de boa eficiência, capaz de refrigerar objetos e ambientes com bom rendimento. Os módulos comerciais utilizados em muitas aplicações práticas contêm de 3 até mais de 100 células associadas, resultando num bom rendimento na produção de "frio".

 

Estes módulos com tamanhos a partir de alguns centímetros de lado com o formato apresentado na figura 7, podem ser usados numa infinidade de aplicações práticas como as que descrevemos mais adiante.

 

A ilustração da figura 8 mostra como é feita a montagem do módulo.

 

 

   Figura 8 – Montagem do módulo
Figura 8 – Montagem do módulo

 

 

 

Características Elétricas

 

A queda de potencial nas junções semicondutoras é baixa e com isso podemos dizer que o dispositivo se comporta como um diodo. Assim, no funcionamento normal, trabalha-se com tensões baixas, entre 1 V e 4 V por módulo e correntes muito intensas que dependem da quantidade de calor a ser bombeado na faixa de 2,5 A a 100 A.

 

Desta forma, os dispositivos de refrigeração de estado sólido podem ser usados em circuitos de 12 V como os alimentados por baterias de carro, o que nos leva a aplicações muito interessantes. Assim, para os dispositivos comuns, as correntes variam entre 0,6 e 60 A com tensões de alimentação de 0,8 V a 15 V.

 

As potências dependem do tamanho e evidentemente, do produto corrente x tensão ficando entre 0,22 W e 125 W. Enfim, o projetista tem a possibilidade de encontrar o módulo de tamanho ideal para a aplicação desejada, e elas são muitas.

 

 

Aplicações

 

 

a) Produtos de consumo

Geladeiras portáteis de carros, alimentadas por sistemas de energia alternativa, são algumas das possibilidades práticas de uso em que já encontramos os módulos termoelétricos refrigeradores.

Na figura 9 temos o desenho em corte de uma geladeira de carro, que mantém bebidas e alimentos frios a partir da energia fornecida pelo sistema elétrico do carro.

 

#Figura 9 – Geladeira de uso automotivo

 

Os módulos retiram o calor de uma caixa forrada de material térmico e o transfere para o meio ambiente, usando um radiador de calor. Veja que este tipo de equipamento tem limitações.

 

A corrente absorvida pelo dispositivo é intensa e existe um limite para a capacidade da bateria. Assim, o circuito só deve ser mantido ligado com o carro em movimento, pois caso contrário a bateria se esgotaria rapidamente.

 

Um refrigerador deste tipo pode ser muito útil no transporte de vacinas, materiais médicos que devem ser mantidos frios e outros de pequenas dimensões. Carrinhos de venda de sorvetes e refrigerantes podem usar este sistema que seria alimentado por uma bateria durante o transporte.

 

Outra aplicação é em aquários que devam ser mantidos numa temperatura menor do que a ambiente.

 

b) Científicas

Nos laboratórios de pesquisa, a possibilidade de ter pequenos ambientes em temperaturas muito baixas com facilidade é interessante. Existem diversos tipos de dispositivos de laboratório como lasers, válvulas fotomultiplicadoras, detectores de infravermelhos, câmaras frias, microprocessadores, células de eletroforese, e muitos outros que devem ser mantidos em temperaturas muito baixas.

 

c) Militares e espaciais

Sistemas inerciais de orientação, refrigeração de equipamentos, amplificadores paramétricos, refrigeradores portáteis de uso militar são algumas das aplicações possíveis.

 

d) Eletrônica

Uma das limitações de velocidade dos microprocessadores é a temperatura.

Quanto maior a velocidade, maior a quantidade de calor gerado, chegando a um ponto em que a integridade da pastilha semicondutora é colocada em risco.

Os sistemas refrigeradores que fazem uso de micro compressores e

serpentinas com gases, que são montados diretamente sobre os microprocessadores, levando-os a operar numa velocidade muitas vezes maior

do que a limite em condições normais, conforme sugere a figura 10, são comuns.

 

 

Figura 10 – Refrigeração de chip com microcompressor
Figura 10 – Refrigeração de chip com microcompressor

 

 

A montagem de um refrigerador sobre um microprocessador pode levá-lo a uma velocidade de funcionamento muito maior do que a obtida em condições ambientes. Bombeando o calor gerado na pastilha para um radiador, estes dispositivos podem mantê-los em temperaturas muito baixas mesmo em velocidades muito altas de processamento.

 

 

O Efeito Peltier

 

Os dispositivos semicondutores de refrigeração funcionam aproveitando o efeito Peltier. Este efeito é na verdade o efeito termoelétrico inverso, que pode ser explicado pelo experimento mostrado na figura 11.

 

 

   Figura 11- O efeito Peltier
Figura 11- O efeito Peltier

 

 

Quando uma corrente elétrica passa pela junção de dois metais diferentes temos nas junções a absorção e emissão de uma quantidade de

calor complementar ao calor que é gerado pelo efeito Joule. A absorção ou emissão de calor depende do sentido de circulação da corrente.

 

O dispositivo da figura A consiste em dois calorímetros em que são colocadas as junções 1 e 2 de três condutores metálicos ligados em série (A, B e A novamente).

 

Ao fluir uma corrente pelo sistema o calor é absorvido na junção 1 e aparece na junção 2, estabelecendo assim uma diferença de temperatura entre os sistemas formados pelos dois calorímetros.

 

Verifica-se que a quantidade de calor absorvida por um dos sistemas, descontada a quantidade gerada pelo efeito Joule, é igual à emitida pelo outro.

 

O efeito Peltier é explicado por existir uma diferença de potencial de contato. Se o campo elétrico criado na junção pela diferença de potencial de contato acelera os elétrons, na junção é dissipada uma quantidade de calor complementar.

 

Se o campo elétrico freia os elétrons, temos a absorção de uma quantidade de calor complementar.

 

 

 

O Efeito Thomson

 

 

E o inverso, pode ocorrer? Se fluir calor de um ponto mais quente para um mais frio, passando por um dispositivo como o que vimos, tremos a produção de energia elétrica? A resposta é sim, e também podemos fazer muitas coisas interessantes conforme explicaremos.

 

O efeito termoelétrico enunciado por Thomson baseado em cálculos teóricos consiste no que ocorre na configuração de materiais mostrada na figura 12.

 

 

Figura 12 – Efeito Thomson
Figura 12 – Efeito Thomson

 

 

Se em duas porções distintas de um condutor homogêneo se manifestam diferenças de temperatura, entre elas também se manifesta uma diferença de potencial.

 

Assim, se uma corrente flui por este material estabelecendo uma diferença de potencial, há também, de modo análogo ao efeito Peltier, a manifestação de uma diferença de temperatura no material com o "bombeamento" de calor de uma região para outra.

 

No dispositivo mostrado na figura B, em que se observa o efeito Thomson, uma corrente circula no sentido indicado. Neste sentido, a temperatura da barra CD diminui, enquanto a temperatura da barra AB aumenta.

 

É interessante observar que as teorias que procuram explicar estes fenômenos com base no fato de haver um "gás de elétrons" nos materiais têm apenas uma concordância qualitativa, já que os resultados quantitativos devem ser explicados antes baseados na Física Quântica.

 

 

 

Tirando energia do gelo

 

 

Publicamos no nosso site e na revista Mecatrônica Jovem um interessante artigo em que usando uma pastilha Peltier tiramos energia de uma pedra de gelo que derrete. O calor ambiente que passa pela pastilha Peltier para derreter o gelo gera eletricidade suficiente até para movimentar um pequeno motor (veja o vídeo).

 

 

Figura 13 – Gerando energia a partir do gelo
Figura 13 – Gerando energia a partir do gelo

 

 

A foto da figura 14 mostra o arranjo do autor para alimentar um motor com calor gerado pelo derretimento de uma pequena pedra d gelo. Veja o artigo MEC568 do site.

 

Figura 14 – Montagem do autor para gerar energia pelo derretimento do gelo
Figura 14 – Montagem do autor para gerar energia pelo derretimento do gelo | Clique na imagem para ampliar |

 

 

E se o leitor quer conhecer uma estória muito interessante e enigmática envolvendo o Prof. Ventura, Beto e Cleto temos um livro do Prof. Ventura em que ele propõe desafios enigmáticos para a criação de energia alternativa que devem ser solucionados e um deles justamente envolve o dispositivo de efeito Peltier. Uma excelente leitura para ser proposta por professores que precisam de um bom tema para um trabalho sobre energias alternativas.

 

 

Figura 15 – O livro do Prof. Ventura
Figura 15 – O livro do Prof. Ventura

 

 

No link abaixo você pode comprar o livro.

https://www.newtoncbraga.com.br/?view=article&catid=42&id=19562 

 

DID009 – O gelo que dá choque

https://www.newtoncbraga.com.br/projetos-educacionais/19564-o-gelo-que-da-choque-did009.html?highlight=WyJkaWQwMDkiXQ== 

 

 

 

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