Por que os transistores utilizados nos circuitos de altas frequências devem ser diferentes dos transistores comuns, usados em aplicações de áudio e baixas frequências? O que impede que um transistor oscile ou amplifique sinais de frequências acima de certos limites? O que é o SMS Veja neste artigo como obter transistores para operação em frequências muito altas e quais são os problemas enfrentados pelo projetista.

Obs. Este artigo foi lançado em 1986.

 

Todos os leitores sabem que os transistores utilizados nos circuitos de altas frequências são diferentes dos usados na amplificação e geração de sinais de áudio, baixas frequências e correntes contínuas. Por quê?

Para entender bem as diferenças, devemos começar do início, ou seja, da própria estrutura e funcionamento de um transistor bipolar.

Na figura 1 mostramos a configuração mais comum utilizada para um transistor como amplificador que é a configuração de emissor comum, onde o sinal é aplicado entre a base e o emissor, fazendo fluir uma corrente proporcionalmente maior entre o coletor e o emissor.

 

Figura 1 - Etapa amplificadora com transistor bipolar comum de emissor comum. Variações da cor- rente de base correspondem a variações da corrente de coletor.
Figura 1 - Etapa amplificadora com transistor bipolar comum de emissor comum. Variações da cor- rente de base correspondem a variações da corrente de coletor.

 

Nos projetos simples, que envolvem correntes contínuas ou de baixas frequências, podemos prever um certo ganho para esta configuração e o resultado obtido na prática não vai ser muito diferente.

Entretanto, os transistores não se comportam do mesmo modo quando trabalham com sinais de altas frequências.

O ganho de um transistor começa a ser cada vez mais influenciado à medida que a frequência aumenta além de certo valor.

Na figura 2 mostramos como o ganho de um transistor cai quando a frequência se eleva, até o ponto em que ele não mais pode ser usado para amplificação.

 

Figura 2 – Acima de certa frequência o ganho de um transistor cai
Figura 2 – Acima de certa frequência o ganho de um transistor cai

 

Como um oscilador exige realimentação e ganho, sem ganho ele também não pode mais ser usado para gerar sinais.

A eletrônica cria a cada dia dispositivos que podem trabalhar em frequências mais elevadas, já sendo encontrados diversos dispositivos que ultrapassam a barreira do gigahertz (GHz), ou seja, 1.000.000.000 Hz.

Componentes acessíveis que podem operar em tais frequências já são encontrados com alguma facilidade no comércio especializado.

No entanto, para chegar a este ponto, os obstáculos vencidos devem ser muitos. Analisemos.

 

Tempo de trânsito

Se analisarmos um transistor a partir de sua estrutura, conforme mostra a figura 3, vemos que a corrente entre a base e o emissor é que se responsabiliza pela corrente principal, entre o coletor e o emissor.

 

Figura 3 - Estrutura básica de um transistor com a circulação das correntes de base e de coletor
Figura 3 - Estrutura básica de um transistor com a circulação das correntes de base e de coletor

 

Como esta última corrente tem maior intensidade que a primeira, dizemos que o transistor amplifica sinais.

As variações da corrente de base é que devem comandar, pois, as variações da corrente de coletor (configuração de emissor comum).

Para os materiais semicondutores mais usados como o germânio e o silício, os portadores de carga se movimentam numa velocidade que depende de sua natureza.

No germânio, por exemplo, os elétrons se movimentam a uma velocidade da ordem de 3.600 cm por segundo, enquanto que as lacunas são mais lentas, com uma velocidade de 1.600 cm por segundo.

Podemos dizer que, tanto no silício como no germânio, a velocidade dos portadores negativos de carga (elétrons) é quase o dobro da velocidade dos portadores de carga positiva (lacunas).

Suponhamos então que um sinal de alta frequência seja aplicado à base de um transistor.

No momento em que o sinal “entra" no circuito (transistor), a corrente de coletor para o emissor deve começar a fluir.

Os portadores de carga devem atravessar toda a região semicondutora que corresponde ao coletor, à base até chegar ao emissor. Dependendo da distância que deve ser percorrida, e da velocidade dos portadores, pode não haver tempo suficiente para isso.

O que pode ocorrer é que durante um ciclo de amplificação do sinal de entrada, pode não haver tempo suficiente para que a corrente correspondente flua entre o coletor e o emissor do transistor.

Antes mesmo que a corrente atinja seu máximo correspondente ao pico positivo do sinal de entrada, sua polaridade já pode ter-se invertido, cancelando o efeito.

Nestas condições, o transistor já não consegue amplificar, pois não há tempo para o trânsito das cargas entre o coletor e o emissor.

Influi neste efeito também as capacitâncias encontradas entre a base e o emissor, e entre o coletor e o emissor.

Antes da corrente atingir seu máximo, é preciso haver tempo para carregar estas capacitâncias parasitas.

 

Figura 4 – O tempo de transito insuficiente para que a corrente atinja o máximo
Figura 4 – O tempo de transito insuficiente para que a corrente atinja o máximo

 

Podemos aumentar a resposta de frequência de um transistor, capacitando-o a operar com sinais de frequências elevadas com a diminuição da espessura da região que forma a base, mas para isso existem limitações.

O problema básico que encontramos inicialmente está justamente no fato de os portadores de cargas N e P terem velocidades diferentes de propagação.

Assim, se um transistor tiver mais material P a ser percorrido do que material N, o transistor tende a ser mais lento que seu equivalente.

Veia então que, se tivermos dois transistores com as mesmas características gerais, mas um NPN e outro PNP, o PNP tende a ser mais lento, com uma frequência limite de operação bem mais baixa.

Consultando os manuais podemos tomar como exemplo transistores bastante conhecidos:

Enquanto o BC548 tem uma frequência de corte (fT) de 300 MHz, seu "equivalente" complementar PNP, o BC558 tem uma frequência de corte de "apenas" 150 MHz!

Observe o leitor que a grande maioria dos transistores que se destinam a operação com sinais de RF, principalmente de frequências mais altas, são NPN e não PNP!

Nas figuras 5 e 6 temos ilustrados os modos como ocorrem as propagações de correntes nos transistores NPN e PNP, para mostrar de que modo o trânsito é mais rápido num NPN.

 

Figura 5 – Portadores majoritários e minoritários  num transistor NPN
Figura 5 – Portadores majoritários e minoritários num transistor NPN

 

 

Figura 6 – Portadores majoritários e minoritários num transistor PNP
Figura 6 – Portadores majoritários e minoritários num transistor PNP

 

 

Obtenção de transistores para altas frequências

Diversas são as técnicas de fabricação desenvolvidas pelas indústrias de semicondutores que permitem obter transistores com características próprias para operação em frequências elevadas.

Estas técnicas visam diminuir o efeito do trânsito dos portadores de carga, com regiões semicondutoras de dimensões mínimas e também os efeitos das capacitâncias parasitas.

Existem também pesquisas que mostram que materiais semicondutores como o arseneto de gálio (GaAs) possuem a capacidade de conduzir os portadores de cargas em velocidades até 10 vezes maiores que o silício resultando assim em componentes ultra-rápidos.

Componentes utilizando estes materiais em breve devem estar à disposição dos projetistas.

Obs. O artigo é de 1986. Hoje estes transistores já podem ser encontrados em muitas aplicações.

Encontramos então diversas denominações para os transistores comuns (bipolares) que operam em frequências elevadas, sempre ligadas à geometria do cristal semicondutor, à sua formação e aos tipos de impurezas agregadas.

Na figura 7 temos as estruturas de alguns tipos principais de transistores.

 

Figura 7 – Estruturas de transistores de RF
Figura 7 – Estruturas de transistores de RF

 

O primeiro transistor é do tipo “Alloy" (Iiga) mostrado em (a). Este transistor é formado pela difusão de impurezas (índio) numa região semicondutora, obtendo-se assim as regiões que correspondem ao coIetor (C) e ao emissor (E).

Neste tipo de transistor, a região correspondente à base, responsável pelo trânsito dos portadores de carga em sua maior parte, pode ser reduzida a uma dimensão de até 0,0005 polegadas, o que leva o componente a uma frequência máxima de operação em torno de 10 MHz.

Esta técnica, por outro lado, não permite obter precisão nas características do transistor, de modo que num lote deles podemos encontrar grandes variações de ganho, entre outras.

O tipo (b) que mostramos na mesma figura é o que corresponde à chamada "barreira superficial" desenvolvido pela Philco.

Neste transistor, o material semicondutor é de apenas um tipo, sendo os demais elementos metálicos.

Com esta técnica, podem ser obtidos trânsitos menores que levam a dispositivos capazes de operar em frequências de até 70 MHz.

O tipo (c) é denominado "mesa" e tem uma estrutura que permite alcançar velocidades de operação bem maiores e também trabalhar com potências maiores.

As regiões que correspondem à base e ao emissor são formadas sobre uma "mesa" de material semicondutor.

O tipo (d) é denominado "mesa-epitaxial". A diferença em relação ao tipo anterior está na presença de uma camada adicional epitaxial que é depositada sobre o material básico, formando assim a região correspondente ao coletor.

O tipo (e) é o “planar-epitaxial".

Neste transistor, as regiões correspondentes à base e ao emissor não ficam salientes, sendo “niveladas" em relação ao coletor por uma camada de óxido passivador (Si02).

Com esta técnica, de um único pedaço (wafer) de material básico podem ser fabricados até 1000 transistores de uma só vez.

 

O SMS

Pesquisas realizadas em diversos laboratórios como CNET da França, o NTT do Japão e da BELL nos Estados Unidos, visam o desenvolvimento de um novo transistor com capacidade de operação em a!tas frequências, superando limites até então não alcançados por componentes convencionais.

 

Lembramos que o artigo é de 1986 – muitas tecnologias hoje são utilizadas em transistores de muito alta frequências, na faixa dos giga-hertz

 

O SMS (Semiconductor-metal-semiconductor) ou ainda popularmente chamado de “transistor de elétrons quentes" (§) tem em lugar de base convencional de material semicondutor uma fina película de metal que pode atingir a espessura de 0,02 microns.

Enquanto no silício, uma lacuna tem uma velocidade de 40 metros por segundo, aproximadamente, nas melhores condições, o que significa que ela demora 2,5 us para percorrer 0,1 mm, num transistor SMS os elétrons “saltam" pela região metálica, praticamente "por fora", como mostra a figura 8, num tempo de trânsito da ordem de 1 triIionésimo de segundo!

 

Figura 8 – O SMS
Figura 8 – O SMS

 

É evidente que não se pode ter elétrons “quentes" pois a definição de temperatura de um corpo é aplicada a presença de matéria, ou seja de uma estrutura formada por átomos.

O grau de agitação dessas partículas é que nos permite a definir a temperatura e portanto dizer se o corpo é quente ou não.

Para elétrons, se bem que tenham massa, a definição de temperatura e, portanto, a atribuição da característica “quente" não se aplica.

Isso permite obter, para estes novos componentes, frequências de operação que chegam facilmente aos 3º GHz (30 000 000 000 Hz!).

A técnica que leva a estes componentes, na realidade, não é nova, havendo citações já nos anos 60, como por exemplo a que fala do PNIP, um transístor criado pela Bell em 1954, cuia estrutura é mostrada na figura 9, e o Drift Transistor, citado já em 1959.

 

Figura 9 – O transistor PNIP
Figura 9 – O transistor PNIP

 

Na prática, as dificuldades para industrializar um dispositivo deste tipo, são da obtenção de metais com as características desejadas.

Deve ser usada uma liga de Cobalto e Silício (CoSi2) com pureza incrível.

A parte semicondutora deve ser desenvolvida sobre o metal em um vácuo dos mais perfeitos com pressões incrivelmente baixas, da ordem de 10-9 torr, o que ainda está longe de ser conseguido com facilidade.

Isso tudo significa que estes transistores ainda não deverão estar a disposição dos experimentadores e projetistas. Devem ainda passar alguns anos, para que experiências na faixa dos Gigahertz se tornem tão populares como hoje são as montagens hoje na faixa dos Megaertz.

 

Conclusão

Mesmo as reduzidas dimensões de um transistor comum ainda são um obstáculo para a sua operação em frequências elevadas.

Os fabricantes procuram desenvolver novas técnicas de fabricação ou mesmo novos dispositivos visando trânsitos cada vez menores com a elaboração de regiões semicondutoras de dimensões ultra-reduzidas, ou ainda a utilização de materiais com trânsitos mais rápidos como o Arseneto de Gálio.

Mas, mesmo estes desenvolvimentos têm um limite, devendo ser estudadas novas estruturas que fujam completamente do tradicional agrupamento de 3 materiais semicondutores alternados como o transistor bipolar, como todos nós sempre estudamos.

Dispositivos inéditos devem, sem dúvida fazer parte da eletrônica de alta frequência do futuro, e parece que isso não está muito Ionge.

 

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