A maioria das pessoas sabe um pouco da história do transistor, nos momentos iniciais quando Bardeen, Shockley e Brattain apresentaram o novo dispositivo ao mundo. Ganharam o prêmio Nobel e passamos a usar esse componente. Mas, esse uso não foi imediato, como relatamos neste artigo, no qual tivemos uma participação interessante quando de sua chegada ao Brasil.
Logo após a criação do transistor, os primeiros eram componentes vendidos apenas aos governos para uso militar. O transistor foi criado em 1947 e os primeiros tipos disponibilizados em junho de 1948. Eram componentes caros, custando algo em torno de 10 dólares cada o que na época, correspondia ao dobro de hoje.
No entanto, em torno de 1955 a Raytheon lançou no mercado um transistor que se destinava aos hobistas, com um preço muito baixo, podendo ser usado numa infinidade de projetos. Ela denominou este transistor CK722, em continuação a sua linha anterior que, conforme vimos era mais restrita.
É claro que as outras empresas logo perceberam uma enorme possibilidade de negócios com transistores de baixo custo que poderiam ser vendidos aos milhões.
Da mesma forma, a General Electric (GE) tinha uma linha de transistores de uso militar com uma construção sofisticada, usando invólucros metálicos cheios de uma resina especial e de onde o ar era retirado para se evitar contaminantes. Vendidos com a designação “2N” que era recomendada pelas normas, eles faziam parte da série militar que ia do 2N43 ao 2N45, custando igualmente muito caro, da ordem de 10 dólares cada um ou mesmo mais.
Em 1955 surgiu então um engenheiro chamado Carl David Todd que logo ao entrar na General Electric, levado pelo seu interesse ao hobismo, propôs a criação de um transistor popular barato, como tinha feito a concorrente com o CK722.
Surgia então um dos componentes mais populares da época, tão popular como depois foram os transistores da série BC que tanto usamos em nossos projetos.
Alguns companheiros surgiram ao longo do tempo para o 2N107 como o 2N170 que era uma versão de maior frequência e a evolução continuou até que ele deixou de ser fabricado em torno de 1970.
Era um transistor “fraquinho” para nossos padrões, assim como os principais tipos da época que ainda eram de germânio.
Características
Evidentemente, não se podia esperar muito de um dos primeiros transistores do mercado. Suas características:
2N107
Tipo: PNP
Material: germânio
Tensão máxima entre coletor e base (VCB): 12 V
Tensão máxima entre coletor e emissor (VCE): 6 V
Ganho típico (hFE): 30
Frequência de forte (fT): 300 kHz
Invólucro: TO5
Potência máxima de dissipação: 60 mW
O CK722 não levava muita vantagem.
CK722
Tensão máxima de coletor: 20 V
Corrente máxima de coletor: 5 mA
Potência máxima de dissipação: 30 mW
Ganho típico (hFE): 12
Na figura 1 a pinagem do próprio datasheet do componente
Não é preciso dizer que diante de um transistor que não suportava mais do que 5 mA de coletor era preciso ter muito cuidado nos projetos...
Meu primeiro contato
Naquela época, nos anos 60 eu estava ainda dando meus passos iniciais na eletrônica, procurando saber de tudo que acontecia naquele maravilhoso mundo. Comprava as edições da Eletrônica Popular e da Revista Monitor e tudo mais que pudesse me ensinar o que ocorria nesse mundo. Lembramos que ainda não existia a internet e nem os celulares, assim as informações a que tínhamos acesso eram exclusivamente via “papel”.
E, foi numa publicação da metade dos anos 60 em que nos chamou a atenção um anúncio de uma distribuidora francesa de componentes que havia montado uma representação na Avenida Santo Amaro em São Paulo.
Era a SESCO, e que estava anunciando a disponibilidade no Brasil do primeiro transistor comercial de baixo custo, o 2N107. SESCO que depois se tornou SESCOSEM era a sigla para Societé Européene de Semi-Conducteurs, uma empresa francesa de grande porte.
Na minha mão, tipos raros como o 2N35, 2N107 e o CK722. Uma revista da época, onde comecei a publicar projetos com estes transistores
Já estava maravilhado pelas publicações da época com a invenção do novo componente e os circuitos publicados nas revistas me deixavam louco para montar e experimentar aquele componente maravilhoso.
Na figura 3 um dos muitos circuitos de uma Eletrônica Popular que me chamou a atenção.
Esse circuito deu origem a um dos meus primeiros projetos já com um transistor
Mas, estava fora do meu alcance, pois se nos Estados Unidos a versão comum do 2N107 custava 2 dólares, por quanto sairia se eu fosse importar!
Com a chegada do 2N107 ao Brasil, vendido numa loja, logo procurei saber o preço. Não era barato. Tanto, que precisei esperar para reunir minhas economias e lá fui eu atrás do meu primeiro transistor. Morando na Penha, naquela época ir a Santo Amaro era uma viagem que envolvia pegar um ônibus ou o Bonde até a Praça da Sé e depois um outro ônibus ou bonde até Santo Amaro. Acho que levada perto de 2 horas, mas lá fui eu.
Realmente foi uma experiência interessante. O transistor vinha numa caixinha, com as válvulas da época, e dentro uma “bula” com as características e com informações de como usar o componente. Não tenho a caixinha original, mas achei na Internet a foto de uma do concorrente CK722. (figura 4)
Com esse primeiro transistor comecei a fazer experimentos, montar alguns circuitos que tinha visto nas revistas e criar meus próprios circuitos que anotava num caderno que depois se tornou a minha primeira seção numa revista “Eletrônica Para Juventude” que saiu a partir de 1967 na revista Eletrônica Popular
Abaixo, um projeto que fiz com o meu primeiro transistor 2N107 e que resultou num artigo publicado na revista Eletrônica Popular de janeiro de 1967.
Depois vieram outros, muitos outros... Com a chegada de novos tipos de transistores os projetos ficaram mais fáceis e mais avançados, principalmente com a disponibilidade dos tipos que podiam oscilar em altas frequências.
Ainda tenho uma grande quantidade de transistores antigos que já não mais uso, mas que servem de referência quando desejo falar do passado, dos tipos exóticos de invólucros que eram usados e de outras uriosidades.
Os circuitos
No nosso site e na internet podem ser encontrados uma infinidade de circuitos usando os transistores CK722 e 2N107. Evidentemente, a não ser que você der a sorte de obter um deles de um equipamento antigo que seja desmontado, fazer um desses circuito não será simples.
No entanto, você pode fazer a montagem usando um equivalente moderno, preferivelmente de germânio que você pode obter desmontando um radinho antigo ou outro aparelho.
No link abaixo temos um livro que reúne projetos com estes transistores.
Um circuito desse livro:
Este receptor usa um dos primeiros tipos de transistor disponível no mercado, o CK722, mas pode ser implementado com outros. O circuito é de um manual da Raytheon dos anos 60.
Outro livro é o que tem a capa mostrada abaixo de Hugo Gernsback de 1960, com primeira edição em 1956 e que pode ser baixado no link dado.
Circuito com os dois transistores:
Este circuito aparece em outros pontos de nosso site usando os mais diversos transistores. Esta versão é de uma documentação de 1960 fazendo uso do 2N107 ou CK722 transistores de germânio da época.