Neste artigo, mostramos como calcular todos os valores dos componentes utilizados num multivibrador astável de potência capaz de acionar uma lâmpada de 12 V x 500 mA, fazendo-a piscar uma vez por segundo num sistema de sinalização. O procedimento serve de base para projetos análogos como, por exemplo, temporizadores cíclicos, acionadores de relés ou TRIACs, motores intermitentes, etc.
Os projetos pormenorizados de circuitos eletrônicos completos não são muito freqüentes em publicações técnicas, se bem que sejam bastante procurados por estudantes e professores que desejam saber como cada componente é calculado.
Na verdade, na maioria dos casos, os livros e as publicações especializadas limitam-se a explicações superficiais sobre as etapas de um determinado aparelho ou mesmo cálculos envolvendo apenas componentes principais ou críticos, julgando que a maioria dos leitores sabe como chegar aos valores ou não tem necessidade disso.
É claro que, levando em conta que nos cursos técnicos estes procedimentos são estudados, nem todos os alunos estão neste ponto, e muitos que já se formaram podem precisar de uma "reciclagem".
Neste artigo, visando fornecer uma base teórica para alunos, professores e mesmo técnicos e engenheiros formados que precisam da "reciclagem", analisamos o projeto completo de um multivibrador com as características indicadas na introdução.
Os procedimentos são válidos para circuitos semelhantes, o que facilita a realização de muitos projetos.
O CIRCUITO
Na figura 1 temos o circuito básico a ser calculado com as principais correntes.
Conforme podemos ver, trata-se de um multivibrador astável convencional em que os transistores Q1 e Q2 trocam constantemente de estado (corte/saturação), acionando o transistor Q3, que tem em seu coletor como carga uma lâmpada de 500 mA.
As características desejadas para este circuito são:
Tensão de alimentação: 12 V
Corrente de carga: 500 mA
Freqüência: 1 Hz
Duração das piscadas: 0,1 s (100 ms)
Transistores usados: Q1, Q2 = BC548 e Q3 = TIP32
Para os transistores, partindo dos manuais, temos as seguintes características:
Q1, Q2 = BC548
Ganho mínimo (hFE): 110
Q3 = TIP32
Ganho mínimo (hFE): 50
A partir destas informações podemos passar aos cálculos:
a)Corrente de base de Q3
O cálculo da corrente de base de Q3, por onde começamos, nos permitirá obter depois o valor de R4.
Para isso, tomamos a corrente de carga e supondo que a queda de tensão na junção emissor/base de Q3 seja desprezível, dividimos pelo ganho do transistor, para chegar a IC2, que é a corrente de coletor de Q2.
Temos então:
Esta é a corrente mínima na base de Q3 que provoca a corrente de coletor (e descarga) de 500 mA.
Para garantir uma saturação do transistor e até uma resposta maior quando o filamento da lâmpada estiver frio e precisar de mais corrente, tomamos como referência para os cálculos o dobro deste valor:
(1)
b)Cálculo de R4
Existem duas quedas de tensão a serem consideradas no circuito de R4.
A primeira ocorre na junção base/emissor de Q3 quando saturado e pode ser considerada como aproximadamente 0,6 V.
A segunda é no transistor Q2, entre o coletor e o emissor e pode ser considerada em aproximadamente 0,4 V.
Desta forma, temos uma queda total de tensão total de 1 V que consideramos Vq.
Para calcular R4 temos então a seguinte fórmula IC2 que leva em conta a tensão de alimentação (Vcc) e a corrente em R4 (Ic2):
(2)
Os valores são:
Adotamos o valor comercial mais próximo, imediatamente inferior:
R4 = 470 ohms
c)Cálculo de IC1
Nosso próximo passo no projeto consiste em calcular a corrente de coletor do transistor Q1.
No nosso circuito, em que temos uma freqüência de 1 Hz e no qual a duração da piscada é de 0,1 segundo, o transistor Q1 deve conduzir 9/10 de segundo do ciclo ativo, enquanto que o transistor Q2 deve conduzir 1/10 de segundo do ciclo completo, conforme mostra a figura 2.
Como Q1 não alimenta o circuito de excitação da lâmpada, a redução da corrente de coletor deste componente a um mínimo é interessante para termos um consumo menor do aparelho.
Levando em conta que:
T1 = 9/10 s
T2 = 1/10 s
(T1 = 900 ms e T2 = 100 ms)
O valor ideal de IC1 para menor consumo pode ser calculado pela fórmula:
(3)
Usando os valores do circuito:
A partir deste valor determinamos o outro valor limite para a corrente IC1.
A relação entre a corrente de coletor de Q2 e a corrente de coletor de Q1 deve ser maior do que o ganho de Q1 (hFE).
Assim, considerando que o BC548 usado para Q1 tem um ganho mínimo de 110, podemos escrever que:
(4)
Para obter a condição de operação real tiramos a média geométrica entre a condição dada pela fórmula (3) e a fórmula (4). Obtemos então:
Aproximamos então esta corrente para:
IC1= 5 mA
d)Cálculo de R1
Com o valor de Ic1 disponível poderemos calcular R1 pela seguinte fórmula:
(5)
Optamos, na prática, pelo valor comercial mais próximo, imediatamente inferior ao calculado.
R =- 2 200 ohms
e)Cálculo de R3
R3, que polariza a base de Q1 deve, em função do ganho deste transistor, proporcionar a corrente de coletor calculada.
Para este cálculo usamos o hFE do BC548 e o valor de R1 desprezando as quedas de tensão que possam ocorrer.
O resistor R3 deve então ser menor do que hFE x R1 ou:
(6)
Na prática, aproximamos este valor para o comercial imediatamente inferior:
R3 = 220 k ohms
O cálculo de R2 será visto na parte dinâmica, já que ele influi mais na freqüência de operação.
Assim, para os capacitores, os valores são dados pelo cálculo dinâmico conforme segue:
CÁLCULO DINÂMICO
O tempo de condução de cada transistor neste circuito é dado pela fórmula:
t = 0,69 x R x C
Onde R é o resistor de polarização de base e C o capacitor de realimentação.
É interessante observar que num circuito como este, em que temos uma alimentação com 12 V, o transistor se comporta como se houvesse um diodo zener de 0,8 V entre a junção emissor/base. Este valor pode ser empregado na obtenção do valor de C2 a partir do período de condução numa fórmula mais precisa.
Assim, nesta fórmula (dada abaixo), temos a presença da tensão zener VEBO e do período de condução do transistor dado por t1 ou t2.
(7)
Onde: Ln significa o "logaritmo neperiano", encontrado através de tabelas específicas ou calculado diretamente com calculadoras científicas.
Utilizando os valores do projeto temos:
Na prática adotamos o valor de 1 µF.
O valor de C1 deve levar em conta que no tempo de condução de Q2 que é de 0,9 segundos, a corrente proporcionada deve ser pelo menos de:
(8)
Para isso, aplicamos a fórmula:
(9)
Colocando os valores do projeto:
Adotamos na prática o valor comercial próximo de 1,5 µF ou mesmo 2,2 µF.
Finalmente, calculamos R2 que, além de polarizar a base de Q1, também é responsável pela duração da descarga de C1.
Usaremos a seguinte fórmula:
(10)
Utilizando os valores do projeto temos:
Na prática tomamos o valor comercial de 1,5 M ohms.
CONCLUSÃO E MONTAGEM
Com todos os valores calculados, temos então o circuito completo de nosso multivibrador astável de potência, ilustrado na figura 3.
Para os leitores que quiserem comprovar os resultados dos cálculos com a montagem prática, sugerimos a experimentação numa matriz de contatos segundo a disposição de componentes mostrada na figura 4.
Os resistores são de 1/8 ou 1/4 W e os capacitores eletrolíticos para 16 V ou mais.
Lembramos que nos resultados finais devem ser consideradas as tolerâncias elevadas, principalmente dos capacitores eletrolíticos que, em alguns casos, chegam a 20% para menos e até 50% para mais.
A comprovação dos valores com um capacímetro é interessante.
A lâmpada usada como carga é de 12 V x 500 mA e na sua falta poderemos usar um resistor de 27 ohms x 2 W, e em paralelo um circuito indicador com LED, conforme mostra a figura 5.
A fonte de alimentação deve ser estabilizada e deve fornecer pelo menos 1 A de corrente.
Observe que no cálculo de alguns componentes, o valor de Vcc aparece, o que significa que esta tensão têm influência tanto sobre o funcionamento estático (polarização) como no dinâmico (oscilação) do circuito.