Os primeiros rádios não utilizavam nem válvulas nem transistores. Esses componentes ainda não existiam. Assim, os sinais que chegavam a antena precisavam ser detectados para se extrair o sinal de áudio correspondentes aos sons e para isso existiam diversas alternativas. Tratamos de uma delas neste artigo.
Em nosso artigo “Os detectores de rádio” falamos de muitas soluções curiosas que foram adotadas nos velhos tempos indo desde o coesor de Brandy até pernas de rã, mas tudo ficou mais fácil quando as propriedades da galena, um cristal de chumbo foram descobertas.
E, com isso, o rádio de galena se tornou popular e até hoje o montamos nas escolas como projeto didático e histórico. É desse tipo de rádio que tratamos neste artigo atualizado, de grande importância para os que desejam saber como as coisas funcionam.
Uma montagem prática:
Eis um rádio que tem tudo para despertar a curiosidade das pessoas, não usa transistores nem circuitos integrados, não é ligado na tomada e não precisa de pilhas. Ele funciona com a própria energia que vem pelas ondas captadas. Além disso, ele utiliza poucos componentes, não precisa de ajustes e é fácil de montar.
A ideia deste projeto é voltar aos primeiros anos do rádio e analisar como os primeiros receptores que existiram funcionavam. Naquela época, início do século XX, não existiam válvulas, transistores e muito menos circuitos integrados.
Os primeiros rádios eram denominados “de galena” ou “de cristal”, pois tinham como elemento principal, um cristal de galena (um derivado de chumbo) que apresentava a “estranha” propriedade de detectar os sinais de rádio. Através dele era possível “extrair” das ondas de rádio, a informação sonora correspondente, ou seja, voz de um locutor, música, etc.
Uma grande antena externa, de pelo menos uns 10 metros de comprimento, captava as ondas de rádio de modo a induzir as correntes que, descendo pelo fio, chegavam ao circuito do rádio. Neste circuito, logo de início, uma bobina e um capacitor formavam o circuito de sintonia, capaz de fazer a seleção das estações (em alguns tipos era utilizado um capacitor variável para mudar de estação, mas nos primeiros tipos, isso era feito selecionando-se tomadas na bobina).
Deste ponto, o sinal selecionado era levado ao detector que consistia justamente no cristal de galena. A detecção é um processo que separa os sinais de alta frequência dos sinais de baixa, que correspondem aos sons. Estes sinais de baixa frequência eram então levados ao fone de ouvido, onde se fazia a conversão em som, de modo que a pessoa pudesse ouvir as estações. É claro que estes sons, pela não existência de qualquer amplificação, eram muito baixos. A intensidade e sua qualidade dependiam tanto da eficiência da antena como da potência e distância da estação.
O rádio que montaremos tem basicamente a mesma estrutura dos rádios de galena tradicionais, mas com alguns “melhoramentos” que são possíveis hoje pela disponibilidade de componentes baratos e de fácil obtenção. Por exemplo, no nosso caso, usaremos um diodo de germânio como detector, em lugar do cristal de galena.
É claro que se você quiser, pode encontrar alguns sites na Internet que vendem o cristal e aí você pode montar um detector original, como explicado a seguir.
Com ele obtemos maior sensibilidade, além da facilidade de operação, pois o cristal antigo precisava ser tocado experimentalmente com um fiozinho denominado “bigode de gato”, até que o ponto sensível fosse encontrado, operação que exigia muito cuidado e paciência. Veja na figura 1 como era montado o cristal de galena com a peça de ajuste para encontrar o ponto sensível.
O fone que recomendamos também é mais sensível. Trata-se de um fone piezoelétrico ou ainda de cristal. Entretanto, outros tipos de fones podem ser experimentados, com as alterações que explicaremos ao longo do texto. Podemos então passar a análise do princípio de funcionamento do circuito. Na figura 2 temos um diagrama básico de um receptor simples deste tipo.
Funcionamento
Começamos por mostrar o diagrama completo do rádio de galena ou rádio de cristal que montaremos. Este diagrama está na figura 3.
Neste circuito, o sinal é captado pela antena, de onde é levado ao circuito de sintonia formado pela bobina L1 (que será enrolada pelo montador) e pelo capacitor de sintonia Cv (obtido de um rádio antigo fora de uso). Neste circuito é feita a seleção da estação que se deseja ouvir.
Deste circuito, o sinal é levado ao detector, que corresponde justamente ao cristal D (diodo de germânio). Após a detecção temos um capacitor de filtro, cuja finalidade é eliminar a alta frequência utilizada no transporte do sinal de alta frequência, que agora não interessa mais. Desta forma, fica no circuito apenas o sinal de baixa frequência que corresponde aos sons que desejamos ouvir. Finalmente, temos o fone, onde é feita a reprodução do sinal.
A chave S1 permite a seleção de tomadas na bobina de modo a possibilitar uma seleção melhor da estação desejada, com um melhor casamento de impedâncias do circuito. A ligação à terra é importante para se obter melhor recepção. Ela pode ser feita em qualquer objeto grande de metal em contato com o solo como a esquadra de uma porta ou janela, um ferro de laje, etc.
Montagem
Uma base de madeira é usada para a fixação dos componentes. O resistor, o capacitor e o diodo serão soldados numa barra de quatro terminais que será parafusada na base. Na figura 3 temos o diagrama completo do receptor.
Na figura 4 temos o aspecto final da montagem. A chave S1 poderá ser colada ou fixada de outra forma na base.
Começamos a montagem por enrolar a bobina num pedaço de cabo de vassoura ou num pedaço de cano de PVC de 2,5 cm (1 polegada) de diâmetro. Esta bobina será formada por 100 a 120 voltas de fio esmaltado de calibre 26 a 30, com uma tomada na 60ª espira. Nas pontas do enrolamento podem ser colocados dois preguinhos pequenos para sua fixação, conforme mostra a figura 5.
As pontas dos fios e a tomada devem ser raspadas com uma lâmina para retirada da cobertura de esmalta e com isso possibilitar a aderência da solda e o contato elétrico. De posse da bobina, o leitor deve passar à soldagem dos componentes na ponte de terminais. Se o fone usado for piezoelétrico ou de cristal, o resistor R1 é obrigatório. Para fones magnéticos de alta impedância (mais raros), o resistor pode ser eliminado. O capacitor variável foi aproveitado de um rádio transistorizado de AM fora de uso, com o formato indicado na figura. Veja que se o rádio for AM e FM, deve ser experimentado o lado de 3 terminais que funcione, pois o lado da faixa de FM é de baixa capacitância, não proporcionando uma sintonia ideal no circuito. O certo é experimentar. Se o rádio não mudar de estação ao ser ajustado, troque os terminais. Observe que ligamos em paralelo duas seções do cpacitor variável para maior capacitância e assim ter uma melhor cobertura de estações.
As interligações são feitas com fios comuns e a tomada AT (Antena/Terra) é do tipo encontrado em muitos rádios velhos, podendo ser aproveitada. Outros tipos de tomada podem ser utilizados na sua falta. A chave comutadora S1 é do tipo H ou 1 x 2 ou mesmo uma 2 x 2 (usada pela metade), sendo fixada por parafusos ou colada na base. Para o fone de ouvido temos as seguintes possibilidades:
a. Pode ser usado um fone de cristal como o da figura 6, vendido em alguns sites da Internet (ou então cápsulas telefônicas piezoelétricas. Estes transdutores possuem excelente sensibilidade para a aplicação. No entanto, muito cuidado com o fone da figura 6, pois ele utiliza sal de Rochelle no transdutor, que absorve com muita facilidade a umidade e quando isso ocorre ele perde a sensibilidade, deixando de funcionar. Este tipo de fone é bastante raro na atualidade, por existirem soluções melhores em termos de fidelidade e resistência à umidade. Guarde-o numa caixinha com um saquinho de sílica gel.
b. Se o fone for do tipo mostrado na figura 7, devemos fazer algumas alterações no circuito, pois trata-se de um fone magnético de baixa impedância. Precisaremos ligá-lo a um pequeno transformador de saída que pode ser obtido em rádios transistorizados fora de uso. O transformador deve ter um enrolamento primário com pelo menos 1 000 ohms.
Usando o Rádio
A recepção deste rádio só será boa se a antena for eficiente e se existir uma boa ligação à terra. A antena deve ter pelo menos 10 metros de comprimento e ser isolada nas pontas, conforme mostra a figura 8.
O isolamento pode ser feito com duas peças de plástico, obtidas de uma régua comum, por exemplo. O fio usado não precisa estar desencapado. O fio que desce até a ligação A (antena) deve ser encapado. A ligação à terra, como mostra a mesma figura, pode ser feita em qualquer objeto de metal que tenha bom contato com o solo. O encanamento de água (de metal) ou uma esquadria de alumínio servem. Uma solução consiste em se enterrar uma barra de metal de pelo menos uns 40 cm. Uma garra jacaré na ponta do fio pode ajudar a fazer a ligação.
Se o sinal for muito baixo, o problema pode estar no fone inapropriado para aplicação.
Ensinando Eletrônica
Como trabalho prático em escola, este rádio serve para ensinar como funcionam os receptores de rádio, modulação, estudar ondas eletromagnéticas e muito mais. Sugere-se até uma pesquisa na Internet sobre o assunto, inclusive a história do rádio no Brasil. Em especial recomendamos um estudo sobre o trabalho de Landell de Moura que foi o brasileiro que inventou o rádio antes de Marconi, mas não teve seu trabalho devidamente reconhecido.
Em especial recomendamos uma visita ao site de nosso amigo Luiz Netto que é um grande pesquisador da vida de Landell em http://www.landelldemoura.qsl.br/.
L1 – Bobina de antena – ver texto
S1 – Chave de 1 polo x 2 posições – deslizante ou alavanca
D1 – 1N34 ou 1N60 – qualquer diodo de germânio
Cv – Capacitor variável de rádio AM
C1 – 2,2 nF a 4,7 nF – capacitor cerâmico
R1 – 100 k ohms x 1/8 W – resistor – marrom, preto, amarelo
J1 – Jaque para fone (opcional)
Diversos:
Fone de cristal ou piezoelétrico (ver texto), fios esmaltados para a bobina, terminal antena/terra, base de montagem, fio comum para a antena, fios, solda, etc.